Matheus 29/07/2013
O sertão é Rosa. Guimarães Rosa!
Não sei direito o que falar sobre este livro. Escrevo no meio da noite com o marteladas solitário de uma siriema distante, no pasto. A situação não poderia ser melhor. Deixo, pois, ao momento me ditar as palavras.
Muitos são da opinião que Machado de Assis é o deus da literatura portuguesa, ou até universal. Assim também eu achava; até ler Guimarães Rosa. Provavelmente, só não é unanime a opinião de lhe conceder o posto de primeiro lugar na literatura, porque poucos são os que leem seus livros. Paira um ar intimidador sobre as obras desse escritor e a maioria das pessoas não se sentem capazes de pega-las para ler. No entanto, nada justifica esse receio e a intimidação dos livros de Guimarães existe mais pela conversa fiada de professores de literatura do que por um estilo difícil de entender. De fato, logo na escola os professores falam que, de inicio, parece estar-se lendo em outra língua, e a quase totalidade dos alunos caem no equivoco de pressupor que essa outra língua e impossível.
"Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto"
- A terceira margem do rio -
Sim, com certeza Rosa não escreve na mesma língua que os outros escritores brasileiros. Estes usam a linguagem técnica, formal, pensada e repensada... enfim, linguagem de livro. Rosa não. A sua é a da fala, a da alma e por isso mesmo seria impossível que carregasse a incompreensibilidade que lhe é erroneamente atribuída . Consigo perfeitamente imaginar um noite de lua, onde em volta de uma fogueira, sertanejos contam causos na linguagem de Guimarães. O escritor dos sertões é o equivalente aos impressionistas na arte visual. Estes estudaram os efeitos óticos da luz e do olho humano de forma a que pintaram espelhos da natureza sem precedentes, como nem Da Vici ou Michelangelo jamais sonhavam em conseguir; Já Guimarães Rosa estudou a língua de todas as formas possíveis e imagináveis, e conseguiu dar uma vivacidade tão absoluta a suas estórias que nem mesmo Shakespeare conseguira.
O cenário de Rosa, assim como sues personagens, não conhecem limites entre o mundo real e o do romance. Parecem trasbordar do livro. O sertão descrito parece frequentemente muito mais real do que a sala ou quarto em que o leitor lê o livro, e parece termos convivido pessoalmente com as personagens criadas, mais até do que com nossos amigos e parentes mais íntimos. Por mais extraordinárias e misteriosas que que sejam, em nenhum momento se duvida que a estória contada seja verídica - e de fato, elas parecem mais contadas do que escritas. Esse é o Gênio maior e inigualável de Guimarães Rosa!
"A Mãe queria, ela começou a discutir com o Pai. Mas, no mais choro, se serenou – o sorriso tão bom, tão grande – suspensão num pensamento: que não era preciso encomendar, nem explicar, pois havia de sair bem assim, do jeito, cor-de-rosa com verdes funebrilhos, porque era, tinha de ser! – pelo milagre, o de sua filhinha em glória, Santa Nhinhinha."
- A menina de lá -
Esse parágrafo é uma síntese de Primeiras Estórias, e mostra que o livro não foge do que eu falei acima. São vinte um contos que se unem de maneira surpreendente, apesar de não terem entre si nenhum vínculo claro. Há uma mágica comum a todas as estórias, algo entre a sabedoria milenar dos ascetas japoneses e o sobrenatural das fábulas e do folclore brasileiro. Todos os contos tratam de seres humanos excepcionais e talvez aqui esteja o Guimarães do livro. Assim como seus personagens são diferentes de tudo que os cerca, também seu criador possui o Gênio sem igual!