Geografia & Literatura

Geografia & Literatura Eduardo Marandola Júnior...




Resenhas - Geografia & Literatura


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Deyvid 19/07/2012

GEOGRAFIAS LITERÁRIAS E LITERATURAS GEOGRÁFICAS – UMA LEITURA HUMANISTA
Com o período renascentista marcado por seu fervor artístico e pelas grandes navegações, temos um impulso na busca por novas terras, transformando a geografia em uma das mais promissoras ciências do período, o que lhe inferiu destaque e fez com que se tornasse tema de inspirações artísticas e culturais de pintores, escultores, músicos, poetas e escritores, que marcavam os feitos heroicos de seus grandes geógrafos exploradores.
No Renascimento, conhecimento e arte estavam tão intimamente ligados que dificilmente se distinguia os limites entre eles, se é que existia limite, pois era apregoado um conhecimento universal. Leonardo da Vinci, por exemplo, era matemático, físico, pintor e escultor. A observação da natureza foi profundamente cultuada como fonte de conhecimento, não apenas científico, mas principalmente nas artes, por isso a importância dada à geografia neste período.
No entanto, com o fim das grandes navegações e com o início do culto à razão, pregada pelo iluminismo que surge enquanto contracorrente ao romantismo e ao pensamento transcendente, tão fortemente marcado no período que conhecemos por idade das trevas e, posteriormente, com o surgimento do positivismo, fundado por Auguste Comte, que está racionalmente ligado ao iluminismo, mais especificamente cultuando o empirismo, a geografia perde seu esplendor.
Neste deslocamento paradoxal, a técnica se torna o norte que rege todo pensamento humano e a geografia deixa de ser o centro das discussões, perdendo sua privilegiada posição.
As ciências dão início a um processo de especialização e de particionamento, gerando um conhecimento fragmentado, que marcou tão profundamente o período que suas raízes estão incrustadas no pensamento até os dias atuais.
Diante deste contexto é possível dizer que o livro Geografia e Literatura: ensaios sobre geograficidade, poética e imaginação, organizado por Eduardo Marandola Jr. e Lúcia Helena Batista Gratão, publicado em 2010, não é uma nova forma de se olhar a geografia, mas sim o resgate de um conhecimento universal, sensível, que se perdeu no culto à razão.
Geografia & Literatura está dividido em quatro partes: “Viagens telúricas e geográficas”, “Repisando o Sertão”, “Territorialidades e espacialidades” e “As tramas da cidade”.
A primeira parte, “Viagens telúricas e geográficas”, é composta por textos de três pesquisadores que descrevem aventuras geográficas e telúricas revelando o olhar poético presente em alguns artistas.
• Lívia de Oliveira, uma das grandes precursoras dos estudos sobre Percepção do Meio Ambiente e Geografia Humanista no Brasil, escreve o primeiro ensaio com o título de O duende de granada: visão telúrica e geográfica do lirismo dramático de Garcia Lorca. Neste ensaio, Lívia de Oliveira guia-nos com sensibilidade pelas obras de Garcia Lorca, revelando de maneira muito sutil, pois não faz uma distinção limítrofe entre geografia e literatura, mas revela uma literatura profusamente geográfica, ou será uma geografia profusamente literária? Seja como for, a autora compõe este ensaio de maneira sensível, quase que incorporada ao espírito literário de Federico Garcia Lorca, o que faz com que seu texto ganhe profundidade ao revelar a geografia andaluza presente nas obras do autor.
• Oswaldo Bueno Amorim Filho escreve Literatura de explorações e aventura: "as viagens extraordinárias" de Júlio Verne. Neste ensaio, o autor perfaz caminhos partindo de uma conceituação e contextualização histórica e epistemológica da geografia, fazendo uma aproximação entre correntes alternativas substanciadas nas filosofias fenomenológica e existencialista e a nova geografia cultural de Paul Claval, introduzindo as geografias de explorações, que se tornou o "período de ouro" da geografia, inspirando até mesmo artistas, entre estes, Júlio Verne.
• Concluindo a primeira parte, Wenceslau Machado de Oliveira Jr. escreve Rumo às entranhas: um percurso pelo rio até o coração da treva. No ensaio, o autor nos envolve com a magia literária de Joseph Conrad e a cinematográfica de Francis Ford Coppola em O coração da treva e Apocalipse now, respectivamente, tendo como plano de fundo a geografia trilhada pelos caminhos do rio na densa floresta do Congo.
Na segunda parte, “Repisando o Sertão”, os ensaístas revivem grandes autores que tiveram como fonte de inspiração o sertão brasileiro.
• Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, grande nome entre os geógrafos brasileiros, foi precursor nos estudos de literatura na geografia. No ensaio O real e o mítico na paisagem de o Grande Sertão, o autor se envereda pela geografia composta na obra de Guimarães Rosa, dando-lhe forma e volume. Na escrita limpa e poética, o leitor é levado a um sertão geográfico poetizado por Guimarães Rosa e revelado por Carlos Augusto.
• Maria Geralda de Almeida fecha a segunda parte com o ensaio Os cantos e encantamentos de uma geografia sertaneja de Patativa do Assaré. No texto, após introduzir epistemologicamente a corrente humanista e a neomarxista, contextualizando os cantos e textos poéticos de Patativa do Assaré, a autora adentra no mundo literário revelando toda identidade cultural que Patativa expressa em um sentimento de pertencimento nutrido por seu sertão.
A terceira parte, “Territorialidades e espacialidades”, é composta por três textos que desvelam, por meio de olhares históricos e sociais, a territorialidade e a espacialidade presente em grandes obras.
• Ideni Teresinha Antonello é autora do ensaio As territorialidades amazônicas reluzem na narrativa literária de Peregrino Junior. Em seu texto, faz a leitura de algumas obras de Peregrino Junior como “A sombra e a luz na Amazônia” e “Histórias da Amazônia”, e levanta a discussão da reprodução dos povos indígenas e seringueiros, colocando como essência dessa reprodução a territorialidade destes povos.
• Maria Lúcia do Amorim Soares escreve O que é geografia de Lugar nenhum? Tendo como plano de fundo a discussão sobre modernismo, pós-
-modernismo e hipermodernismo, analisa as obras de João Gilberto Noll revelando o viés geográfico contido nestas obras.
• Encerram esta terceira parte Antonio Carlos Vitte e Giulliano Coutinho com o ensaio Macunaíma: natureza e formação territorial na constituição da identidade nacional brasileira em que descortinam, por um viés histórico, os paradoxos culturais do Brasil nas décadas por volta de 1920, tendo como plano de fundo as obras de Oswald de Andrade, de maneira especial a obra Macunaíma.
A última parte do livro, “As tramas da cidade”, é composta por quatro ensaios que revelam e desvelam a cidade erigida nas obras de grandes artistas.
• Júlio Cesar Suzuki escreve O poeta, a cidade e o esfacelamento do indivíduo na modernidade: uma leitura de “A rosa do povo”. Este ensaio nos leva a compreender, por meio da obra de Mário de Andrade, a figura humana diante da modernidade.
• Janaina A. M. S. Marandola, no texto O realismo mágico de Ítalo Calvino e a cidade, apresenta todo imaginário citadino que compõe as obras de Ítalo Calvino, compostas em três fases do autor. A primeira apresentando um Calvino neorrealista permeado de ideias marxistas, exposta na obra A especulação imobiliária; uma segunda fase representada pela obra Marcovaldo ou as estações da cidade, em que o autor aparece em uma fase de literatura fantástica ou mágica. E por fim, a fase representada na obra As cidades invisíveis, que revela o realismo fantástico do autor. Nestas obras e contextos, a autora busca revelar temas e conceitos importantes trabalhados pela geografia.
• Lúcia Helena Batista Gratão, no texto Por entre becos & versos: a cidade vi(vi)da de Cora Coralina, se rende aos encantos da identidade de Cora Coralina com a cidade de Goiânia, de maneira especial com o rio Vermelho, tão cheio de vida no pensamento de Cora.
• Fechando esta última parte, Eduardo Marandola Jr., com o ensaio Tempo e espaço cotidiano: crônicas de um tecido inacabado, leva-nos a uma viagem no seu tempo, retomando sua aurora, trazendo uma discussão geosófica através das crônicas de Luis Fernando Verissimo sobre o espaço e o tempo.
Esses ensaios, belamente descortinados pelos ensaístas geógrafos e educadores humanistas, em suas vertentes culturais, sociais e existenciais, nos revelam, de maneira sucinta e prazerosa, a geografia entranhada em grandes obras literárias.
Estas são apenas algumas de tantas outras contribuições que as artes podem oferecer para o conhecimento geográfico, portanto, vamos em busca de novas terras a serem descobertas, como diria John K. Wrigth, em 1946, no seu discurso presidencial da Associação dos Geógrafos Americanos , novas geografias esperam para serem desveladas.
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