Marcos606 24/03/2023
Centrado nos temas teológicos e filosóficos favoritos do autor: a origem do mal, a natureza da liberdade e o desejo de fé. Um pai perdulário e cruel, Fyodor Pavlovich Karamazov, zomba de tudo que é nobre e se envolve em bufonarias impróprias em todas as oportunidades. Quando seus filhos eram bebês, ele os negligenciou não por maldade, mas simplesmente porque os “esqueceu”. O mais velho, Dmitry, um homem apaixonado, capaz de amar sinceramente “Sodoma” e “Madona” ao mesmo tempo, briga com o pai por causa de dinheiro e compete com ele pelos favores de uma mulher “demoníaca”, Grushenka. Quando o velho é assassinado, evidências circunstanciais levam à prisão de Dmitry pelo crime, que na verdade foi cometido pelo quarto e ilegítimo filho, o mal-intencionado epilético Smerdyakov.
O filho legítimo mais novo, Aliocha, é outra das tentativas de Dostoiévski de criar uma figura realista de Cristo. Seguindo o sábio monge Zósima, Aliocha tenta colocar em prática o amor cristão. O narrador o proclama o verdadeiro herói da obra, mas os leitores costumam se interessar mais pelo irmão do meio, o intelectual Ivan.
Tal como Raskolnikov, Ivan argumenta que, se não existe Deus nem imortalidade, então “tudo é permitido”. E, mesmo que nem tudo seja permitido, diz ele a Aliocha, a pessoa é responsável apenas pelas suas ações, mas não pelos seus desejos. É claro que o Sermão da Montanha diz que cada um é responsável pelos seus desejos e, quando o velho Karamazov é assassinado, Ivan, apesar de todas as suas teorias, passa a sentir-se culpado por ter desejado a morte do seu pai. Ao traçar a dinâmica da culpa de Ivan, Dostoiévski fornece, com efeito, uma justificação psicológica para o ensino cristão. O mal acontece não apenas por causa de alguns criminosos, mas por causa de um clima moral no qual todas as pessoas participam abrigando desejos malignos. Portanto, como ensina o Padre Zósima, “todos são responsáveis por todos e por tudo”.
O romance é mais famoso por três capítulos. Em “Rebelião”, Ivan acusa Deus Pai por criar um mundo em que as crianças sofrem. Ivan também escreveu um “poema”, “O Grande Inquisidor”, que representa sua resposta a Deus Filho. Conta a história do breve retorno de Cristo à terra durante a Inquisição Espanhola. Ao reconhecê-lo, o Inquisidor prende-o como “o pior dos hereges” porque, explica o Inquisidor, a igreja rejeitou Cristo. Pois Cristo veio para libertar as pessoas, mas, insiste o Inquisidor, as pessoas não querem ser livres, não importa o que digam. Querem segurança e certeza em vez de livre escolha, o que os leva ao erro e à culpa. E assim, para garantir a felicidade, a igreja criou uma sociedade baseada em “milagre, mistério e autoridade”. É evidente que o Inquisidor pretende representar não apenas o catolicismo romano medieval, mas também o socialismo contemporâneo. “Rebelião” e “O Grande Inquisidor” contêm o que muitos consideram os argumentos mais fortes alguma vez formulados contra Deus, que Dostoiévski inclui para que, ao refutá-los, possa verdadeiramente defender o Cristianismo. É um dos maiores paradoxos da obra de Dostoiévski que o seu romance profundamente cristão mais do que dá ao Diabo o que lhe é devido.
No outro capítulo mais famoso da obra, Ivan, agora enlouquecido, é visitado pelo Diabo, que conversa com ele sobre filosofia. Surpreendentemente, este Diabo não é nem grandioso nem satânico, mas mesquinho e vulgar, como se simbolizasse a banalidade do mal. Ele também acompanha todas as crenças mais recentes da intelectualidade da Terra, o que leva, em passagens notavelmente humorísticas, à defesa do materialismo e do agnosticismo pelo Diabo. A imagem do “pequeno demônio” teve imensa influência no pensamento e na literatura do século XX.