O tempo redescoberto

O tempo redescoberto Marcel Proust




Resenhas - O tempo redescoberto


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Luiz Lélis 14/03/2024

Uma boa finalizada nessa saga sobre o tempo, mas, antes dele, sobre a literatura. Mais precisamente, sobre a escrita. Marcel, marcado por sua doença, encontra no papel e na caneta a indiferença à morte, tomada como certa durante tanto tempo. Isso, como espelho da vida do próprio Proust, traduz uma fidelidade, uma realidade, uma sinceridade muito bonita para sua obra, o que é, sem dúvida, reflexo de sua vida. Uma longa jornada literária chega ao fim. Bastante memorialista, a despeito de sua essência primeira: "literalista", Em Busca do Tempo Perdido é uma viagem que vale a pena ser feita, especialmente para aqueles que têm interesse em, algum dia/período no tempo, escrever e, sobretudo, aplicar sobre o que se escreve e, por conseguinte, transmitir a quem lê, nuances bastante precisas e, ao mesmo tempo, universais a respeito da vida, da morte, do tempo, da memória, da escrita...
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Karine 03/10/2021

Obra maravilhosa, mas exigente.
Terminei hoje de ler essa obra gigante!!! 9 meses e uma semana depois de começar o volume 1. Não foi fácil, mas valeu cada dia de leitura dedicado ao Proust. Os 3 últimos volumes são mais fluidos. Que obra!! Que autor!!! Indico a leitura em grupo para que vc tenha uma motivação para seguir nos momentos mais difíceis, conversar, trocar ideia, tirar dúvidas. Foi assim q consegui chegar ao fim.
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Tiago600 08/08/2021

Um anagrama para: início, meio e fim

Preciso maturar mais, talvez depois volte aqui com novas impressões. Nesse instante, in loco, registro minha reverência talvez confusa ou fugidia.
São tempos banais, onde em quase tudo a hipérbole está em alta e frequentemente se usa o termo "genial" para caracterizar algo que quando muito é simplesmente excelente ou foge do padronizado. Dito isso, Proust me obriga ao superlativo que tanto desprezo: Colossal! Qualquer definição para essa obra que busque ou almeje desmerece-la, sem dúvidas está fadada ao fracasso em qualquer hipótese possível.
Em Busca do Tempo Perdido exige labor é verdade, porém o livro se faz como um simulacro, ganha um status de entidade ao seu término. As páginas são charcos de tinta/sangue/memória/ entalhadas por um pincel de estrelas que pontualmente aprisionaram e paralisaram o relógio de uma época através das palavras. Só mesmo um "Mont Blanc" dessa envergadura para suspender (nem que seja por um segundo) o corte fatal das Moiras perante o fio do destino.
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@livreirofabio 02/03/2017

Tempo meu recuperado
"O que não temos de decifrar, esclarecer por nosso esforço pessoal, o que já estava claro antes de nós, não nos pertence. Só vem de nós mesmos o que extraímos da obscuridade existente no nosso íntimo e que os outros não conhecem." p. 228

Os sete volumes de "À La Recherche du Temps Perdu" (para os íntimos "La Recherche) me tomaram um ano e dois meses de leitura epifânica, esporadicamente enfadonha, por vez celestial, por outra problemática. Os longos períodos, detalhes que a primeira vista parecem fúteis, ou a minha incapacidade de concentração devido a problemas do dia-a-dia, me levaram a dar seguimento à leitura do ciclo de forma mais lenta. Hoje, já tendo terminado o último volume "O Tempo Recuperado" posso dizer que a pressa foi ingênua, pois já tenho agendado revisita(s) àquela Paris de fins de século XIX, à Balbec, Combray, ao salão dos Guermantes, ao amor louco e possessivo por Albertine e à constatação da salvação e validação da vida através da arte.

Um amigo muito querido faleceu antes de completar a leitura dos volumes, meu irmão recifense tinha chego até o fim de "A Fugitiva" e insistia para que eu começasse a ler o quanto antes o primeiro volume "No Caminho de Swann". Eu respondia dizendo que ainda não estava na hora, que preferia começar no início de algum ano para fechar o ciclo com prazo determinado. Hoje vejo que deveria ter deixado o pragmatismo de lado e ter embarcado na leitura, na lembrança que traz à Marcel, o narrador, o sabor de um biscoito ("madeleine") mergulhado em uma xícara de chá. Lamento agora e talvez até o fim da vida, não poder comentar e comparar a minha leitura com a desse meu irmão. Porque ele era poeta, ele entendia.

Em "O Tempo Recuperado", Proust explana sua teoria do "eu passado" que se sobrepõe ao "eu presente" e traz, inevitavelmente, através de situações semelhantes, a lembrança de uma sensação significativa do passado — e como essa sobreposição, por um momento, subtrai a base do que denominamos "agora". Porém, longe de ser assustador, esse momento é uma celebração da existência, um reencontro não-marcado com memórias que nem sabíamos havia nos marcado tanto, e que voltam ao nosso eu de hoje, ao que somos nesse instante, ao ser-humano que então estava se construindo e que, espera-se, ainda esteja trabalhando na reforma de si.

Eu recuperei o tempo, aquele tempo, com o autor. E agora vejo que a companhia que lhe fiz, fez com que eu fabricasse ferramentas para recuperar esse meu tempo, essa minha época. O "Fin" da última página do livro longe de ser o fim como tal, é o início do mesmo ciclo que por consequência também é o meu. O meu recomeço, as minhas lembranças que se juntarão à novas memórias, e que voltarão, sempre, à mim.
DIRCE 02/03/2017minha estante
Nosso querido e saudoso Arsenio deve estar em júbilo por você ter recuperado um Tempo graças a lembrança de um sentimento que permanece além da vida, Fábio.




Matheus Nunes 10/04/2016

Marcel Proust, ou o investigador do Tempo.
Ao terminar a leitura da incrível obra de Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido, é impossível não notar o seu objetivo como escritor desde o começo de sua obra. Marcel, além de narrador, além de escritor, é um completo detetive do Tempo.

Marcel, narrador, conhece todos os lados mais íntimos de todos os personagens, conhece o mais profundo ser de cada um deles, como se fosse um Deus. É assombroso no final da obra quando o Marcel tem seus ataques de epifania e descobre que ele mais do que qualquer um tem o talento que tanto almejou, o da escrita. Toda a aflição, toda a ansiedade, todo o medo de não conseguir completar a sua obra, com medo da morte é respondido por nós mesmo, Marcel consegue terminar o seu trabalho de tanto labor, e nós, leitores somos as testemunhas mais fiéis de seu sucesso. O livro termina em nossas mãos, como um relógio que mesmo após a morte de seus criador continua a girar os seus ponteiros, como uma obra interminável, como uma catedral, que contém toda a analise do homem, tempo, sociedade, espaço, amores, ódios, invejas, e medos. Chega a ser como uma bíblia, como um livro profético, em que nós não lemos um simples livro, e longe disso, lemos nós mesmos., uma obra que transcende suas linhas, tinta, e folha, e que ultrapassa o Tempo.
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Valério 13/08/2015

Impecável corolário
Sempre tive enormes dificuldades quando me perguntavam qual o melhor livro já lido em toda a minha vida.
Ficava sempre entre "Guerra e Paz", de Tolstói, "Cem anos de solidão" de Gabriel Garcia Marquez, "Os miseráveis", de Victor Hugo, "Ensaio sobre a solidão", de Saramago, "Sertões", de Euclides da Cunha, entre alguns outros.
A grande dificuldade sempre esteve não em dizer qual o melhor. Mas em saber que são uns tão diferentes dos outros, que se torna difícil compará-los. Como comparar a grandeza e análise filosófica da guerra e psicológica dos personagens de "Guerra e Paz" com a musicalidade e irreverência dos acontecimentos de "Ensaio sobre a solidão" e com a fantasia de "Cem anos de solidão"?
Mas então surge Proust e sua obra da mesma forma incomparável. Mas sua incomparabilidade excede o conceito de diferenças de estilo e de abordagem.
A obra de Proust é o que há de mais denso e sublime já alcançado pela literatura.
Sua análise através do narrador, seja do próprio protagonista, como das pessoas à sua volta, exprime com tamanha perfeição os recônditos da alma humana que parece ter sido ditada por seres com estranhos poderes descritivos.
Sua sensibilidade, sua destreza em desnudar os sentimentos humanos não encontra precedentes.
Ao cabo de sete volumes de uma leitura atenta e cuidadosa, ao invés do fatigamento, provoca, muito antes, orfandade.
Com Proust viajamos pelos campos de Combray, embalados pelos sinos da igreja local, como se vivéssemos uma vida completamente diferente, à sombra de uma castanheira. Como se vê, em minha descrição, nada representa este evento. Mas tente ler esta mesma cena descrita por Proust e tente não se maravilhar.
Contudo, é preciso saber o momento de se emaranhar no mundo Proustiano. A leitura é das mais difíceis, com frases homéricas, entremeadas por outras frases gigantescas entre vírgulas. Há que se ler sob total concentração. E leitores iniciantes certamente terão enorme dificuldade em finalizar a leitura.
E ler Proust com sentimento de "ter" que terminar irá indubitavelmente subtrair todo o êxtase potencial de sua leitura.
Neste último volume, justificando o título "O tempo redescoberto", Proust atinge a senioridade e finalmente, enquanto aguarda para ser recebido em uma recepção, atina com o verdadeiro sentido da vida: "A verdadeira vida, a vidla enfim descoberta e tornada clara, a única vida, por conseguinte, realmente vivida, é a literatura."
E nesse ínterim, finalmente fica-lhe claro que deve escrever a obra perfeita, a obra definitiva, essencial. Daí surge a fagulha inicial de "Em busca do tempo perdido". A partir de então, atemoriza-se com a possibilidade de morrer antes de poder escrevê-la.
Em certo trecho, afirma que, "para escrever esse livro essencial, o único verdadeiro, um grande escritor não precisa, no sentido corrente da palavra, inventá-lo, pois já existe em cada um de nós, e sim traduzi-lo. O dever e a tarefa do escritor são as do tradutor".
Pois Proust traduziu a alma humana nesta obra.
Posso hoje responder prontamente: "Em busca do tempo perdido" é o melhor livro que já li em minha vida.
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R4 12/05/2014

Do tempo perdido ao tempo redescoberto
É difícil falar sobre aquilo que gostamos muito, porque somos inundados por todos aqueles sentimentos e memórias tidas enquanto estávamos envolvidos com isso. No meu caso, a dificuldade que se apresenta é discorrer um pouco sobre aquele que se tornou o romance da minha vida. Trata-se do longo Em busca do tempo perdido (À la recherche du temps perdu), de Marcel Proust. Dividido em 7 livros, com os títulos: No Caminho de Swann, À sombra das raparigas em flor, O caminho de Guermantes, Sodoma e Gomorra, A prisioneira, A fugitiva e, por fim, O tempo redescoberto. No total, mais de 3000 páginas, publicadas entre 1913 e 1927.

O romance discorre sobre o tempo e conta a história do protagonista Marcel, cujo nome é mencionado apenas no 5º livro, e nos dá a impressão de ser uma autobiografia do próprio Marcel Proust. É um romance de formação, com 7 volumes que falam sobre sobre o amadurecimento do herói. O primeiro livro No caminho de Swann mostra a mais tenra infância do narrador, que é acometido por frequentes crises de asma e é dependente do amor e carinho da mãe e da avó. Também conhecemos o drama de Swann, seu vizinho em Combray, judeu e extremamente culto, sendo uma grande referência artística nos salões de Paris. Entretanto, Swann se apaixona por Odette, uma coquete francesa que está apenas interessada em seu dinheiro e prestígio social. É com ela que ele se casa e arrisca todo o seu reconhecimento artístico, pois passa a ser dominado por ela. Esse personagem é uma referência e uma aspiração para o menino frágil que adora ler. O livro tem um começo incrível e suas 100 primeiras páginas nos narram aquela sensação curiosa que temos ao acordar e não sabermos em que quarto nós estamos.

Os demais livros nos mostram a adolescência de Marcel, acompanhada de sua sensibilidade artística, o seu primeiro contato com a aristocracia francesa e a entrada nos famosos salões de Paris. Ele se apaixona por Albertine e a encarcera por ter muitos ciúmes dela. E sua vida torna-se uma grande frustração, pois tenta se tornar um escritor, mas passa todo o tempo entre festas, viagens à beira-mar e ocupado com seu obsessivo relacionamento. Ele sente-se muito frustrado por perder seu tempo e seu talento criativo com efemeridades.

Contudo, o ponto forte do livro não são as indas e vindas dos aristocratas nos salões franceses, mas as muitas páginas dedicadas à discussões verdadeiramente filosóficas sobre música, literatura e artes que permeiam o romance. Os momentos de introspecção do narrador, com grande influência simbolista, são as melhores partes e esse tipo de narrativa é propiciada pelo fato do narrador estar em 1ª pessoa, permitindo a subjetividade do relato. O livro possui duas vozes narrativas: Marcel, o protagonista que vive a história de sua vida de forma progressiva; e o narrador, seu eu-futuro, que é quem recapitula a história de sua própria vida e faz intromissões que adiantam ao leitor os fatos que ainda não aconteceram.

Em Em busca do tempo perdido, Marcel Proust escreve de forma a fazer com que o passado invada o eu-presente em forma de memórias. Assim, o narrador é acometido frequentemente por reminiscências da infância, como é o caso da mais famosa cena do romance, em que uma madeleine (o bolinho francês) molhada no chá traz do passado uma memória involuntária que invoca felicidade.

Desde o título, vemos que o tempo é a principal discussão do livro, porque o tempo do relógio não é igual ao tempo psicológico, ou seja, aquele que sentimos passar ao viver. O protagonista frequentemente não se dá conta do seu envelhecer e, por isso, sente como se tivesse perdido muito tempo de sua juventude.

Durante a obra toda, o narrador procura escrever e colocar em prática seu talento literário, mas é impedido por suas atividades na sociedade. Porém, é apenas em O tempo redescoberto que Marcel, já maduro, consegue chegar a uma conclusão a respeito do que realmente significa a arte e o tempo e começa a escrever. Por isso, a obra é cíclica e o narrador conta a sua história para reencontrar o tempo de sua vida. Assim, quando terminamos de ler a obra, temos a vontade de começar novamente do primeiro volume. Portanto, o que é muito interessante nos volumes de Em busca do tempo perdido é que, no fundo, o livro trata do próprio fazer literário. É um romance que elogia a própria literatura, porque o narrador encontra o tempo perdido através da escrita, ou seja, retomando através de palavras todo o seu passado, que ele sentia já ter perdido.

O livro foi tão especial para mim por causa dos aspectos subjetivos, das discussões sobre a arte e - principalmente -porque eu também me aflijo muito com o passar do tempo. Eu me identifiquei com o protagonista como criança e jovem e vi muito dos meus dilemas presentes nele. Além disso, é um livro de sensações e memórias e, enquanto não tenho uma madeleine que me traga lembranças, também vivo com sensações do passado.

Meus livros favoritos de Em busca do tempo perdido foram No caminho de Swann, primeiro livro, e O tempo redescoberto, último livro. Curiosamente, descobri depois que eles foram os dois primeiros livros a serem escritos por Proust, que só depois escreveu o meio da história. Gostei muito do fato do livro começar onde termina e eu fiquei com vontade de reler todo o romance novamente. Lerei ainda muitas vezes.

Achei interessante também que pensei ser algum tipo de autobiografia do autor, mas até nisso Proust subverteu e, lendo um pouco da história dele, descobri que ele inverteu vários aspectos da história. Por exemplo, ao contrário do protagonista, Proust era judeu. Assim, ele faz seu personagem enxergar o mundo por um ponto de vista diferente do seu.

Eu recomendo esse livro para leitores sensíveis e para aqueles que se importam mais com impressões e filosofias do que para um enredo cheio de aventura. É claro que o romance possui uma história, como contei acima, mas o mais importante nele é a maneira (moderna, reflexiva, sensível) com a qual essa história foi contada.
Vinicius 12/05/2014minha estante
Gosto muito das suas resenhas! Parabéns




Letícia 20/11/2012

Os verdadeiros paraísos são os que perdemos...
Em Busca do Tempo Perdido é a história de uma verdadeira busca espiritual que deu certo. Busca que o volúvel e preguiçoso Marcel perde a esperança de empreender, desacredidando no seu talento para a literatura, envolvido demais com o mundanismo e suas belas meninas em flor.

O tema do livro não é a memória, voluntária ou involuntária, como pode parecer no começo da leitura. A memória é apenas um meio limitado de ressituar-se no Tempo, encontrar-se nele. A descoberta da vocação literária do herói, e tudo que culmina na descoberta desta vocação e faz parte do aprendizado dele, é o tema principal. O livro termina quando ele começa a escrevê-lo: aquele tempo aparentemente perdido, aqueles dias banais, se tornam uma das mais magníficas obras da literatura. Porque Marcel vai compreender que a verdadeira genialidade do artista não está no tema, mas na forma, sua expressão estética. A memória na obra adquire uma função maior que a simples rememoração, ela se torna um instrumento de aprendizado para inteligência, e possibilita ultrapassar os limites das impressões momentâneas, que estão sempre a mercê do eu em seu estado atual, construindo assim uma análise extratemporal, com um significado mais amplo, mais completo.

A famosa madeleine molhada no chá é só a primeira dessas manifestações de memória involuntária que farão o narrador pressentir uma realidade, uma verdade, para além da realidade cotidiana. Os hábitos entorpecem a sensibilidade necessária para debruçarmos sobre essas vislumbres de uma outra vida. A madeleine não tem nada de extraordinário em si, ela é um signo, que encerra o significado dessa sensação que traz tanta alegria a Marcel porque ela remete a um tempo que não é o passado, mas que se situa fora do Tempo e está diretamente ligada à eternidade: a comunicação com um eu adormecido. Quando a inteligência e a razão se descuidam, podemos visualizar de relance, preso a qualquer objeto, sabor ou cheiro, uma dessas visões de sonho que conversam diretamente com nosso espírito, que nossa inteligência não consegue compreender.

A arte, a contemplação do prazer que ela causa, é o que Marcel acredita ser o caminho para esse encontro com um sentido verdadeiro da vida. Porque uma obra de arte se comunica diretamente com o esse mundo de sonho e beleza, não podemos apreciá-la com a razão, e um artista não é necessariamente alguém mais culto ou inteligente, mas um Elstir, homem de valor intelectual admirável, que se torna ignorante para pintar, se desliga de todas as noções da inteligência e cria visões de mundos ideais, onde o céu se liga com o mar, não porque realmente devesse ser assim, mas porque é assim que enxergamos, mas o hábito, a razão, a vida, nos ensina que é só uma ilusão, impedindo a apreciação de uma beleza que não é dos fatos, mas dos significados.

Todo esse aprendizado, que transforma o narrador em autor, é feito através de grandes expectativas, imensas decepções, muita dor e um pouco daquela alegria que aprendemos a sentir quando descobrimos que a felicidade não provém dos outros ou das coisas, mas de nós mesmos. Percorrer as páginas desse romance é como ouvir uma melodia pela primeira vez, a Sonata de Vinteuil - tão fictícia e linda que dá saudades de ouvir uma música que nunca existiu -, onde no primeiro momento, sem a memória, não pode ser apreciada em toda a sua profundidade, mas que à medida que ela retoma aos seus próprios temas, nossa inteligência apreende a beleza que nosso espírito sempre intuiu haver nela. É por isso, detendo a posse dessa revelação, que terminamos a obra com uma imensa vontade de relê-la, para somar impressões mais completas com nossa leitura retrospectiva.

O confronto da pessoa do artista com sua criação, o fazer artístico, o aprendizado dos signos da arte, podem ser traduzidos num personagem, a de sua musa Albertine: a figura oscilante e atrevida à beira mar, que irá se destacar aos poucos do grupinho de meninas que tanto perturba Marcel e cuja visão no litoral é digna de ser pintada por um Elstir. A jovem bacante surgida no dique de Balbec irá oferecer muitos aspectos para a interpretação do ciumento Marcel, tal qual o campanário de Martinville, outra impressão importante que o narrador tem e que com ela se repete a sensação tida com a madeleine. Além disso, o próprio nome dos lugares e dos seres irão interessar muito o narrador, devido à sua deficiência em conter os significados e expectativas que depomos neles, e também pelo face diferente que um mesmo nome nos apresenta no decorrer da vida.

Nenhum ser, nenhum objeto ou uma história é um todo, completamente constituído. Colocamos muito de nós em tudo, e também no livro. Proust escreve com essa consciência de ser um intérprete de nós mesmos. Portanto, Em Busca do Tempo Perdido pode ter um horizonte infinito de leitura, a limitação só é determinada pela maturidade ou experiência do leitor.

É uma longa leitura, mas não é difícil. O texto é rebuscado, num sentido mais de forma que de vocabulário. As longas frases e intermináveis parágrafos são famosos, e extremamente belos. Não é uma história de fatos, mas de experiências, portanto nada tem pressa de acontecer e a maneira como acontece ganha um significado imenso. E também é um retrato divertidíssimo da época, das pessoas e do próprio Marcel. É, Proust é muito engraçado. Através do riso, ele consegue o distanciamento necessário para falar de questões controversas, e mesmo que alguns achem que ele não é satisfatório como autor da causa homossexual, em minha opinião ele é visionário! Ele não é condescendente com ninguém, suas preferências e opiniões pessoais não comprometem a estética do romance. É um artista perfeito.

A arte é mais precisa que a ciência e a literatura é mais completa que a vida.

clorofilarosa.blogspot.com.br
Daniel 14/05/2014minha estante
Ler os 7 volumes de "Em Busca do Tempo Perdido" é uma aventura. Principalmente nos dias de hoje, com tantas opções de lazer, internet, e a velha desculpa de falta de tempo...

Quem se arrisca e consegue chegar ao final - em meio a digressões intermináveis do Proust, que as vezes são exasperantes! - é recompensado com uma sensação que poucas vezes se tem, nâo só na literatura, mas nas artes em geral e na própria vida. Os temas abordados e a forma como a prosa é conduzida dão a certeza ao leitor que não é por acaso que Em Busca do Tempo Perdido é considerado a obra prima máxima da literatura mundial.




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Ricardo Rocha 29/11/2010

Mais que a madeleine
Sete livros para contar quase nada. Dezenas de personagens que poderiam ser resumidos em cinco ou seis. Uma catedral ou o que se vê num microscópio. Prolixo sem jamais ser supérfluo. O tempo é tudo e ao mesmo tempo pode-se viver uma vida sem a consciência dele. A obra de Proust é feita de extremos. Dono talvez da maior frase da literatura, ele é preciso ao ponto de tornar fundamental cada palavra dentro dela. A vida fora da vida, o livro dentro do livro. “Em busca do tempo perdido” reorganizou todo conceito literário.

No caminho de Swann, o primeiro volume, apresenta os temas dessa sinfonia. O tempo e o que faz dele o ócio; o amor e o que faz dele o ciúme; a verdade e o que faz dela a ilusão. A memória poderia ser o tema principal desse livro, bem como de toda a obra, mas talvez seja uma afirmação simplista. Talvez não exista um tema principal. Onde está o contato óbvio, por exemplo, entre o tempo e o mal, a origem do mal, a aparência de mal, conforme a reflexão do protagonista ao ver pela janela as duas amantes diante do retrato do pai de um delas? Ou entre a memória e as opções sexuais de Sodoma e Gomorra? Na verdade, existe a ligação, mas Proust parece muito desligado de qualquer coisa que se assemelhe a conceituar alguma coisa. Sua reflexão abrange mas não aprisiona.

Cada livro em separado terá um papel. À sombra das moças em flor tem uma vida tão própria e bela que recebeu o Prêmio Goncourt. Mas todos entoam a mesma melodia, do tempo e da memória, da decadência e do esquecimento. E pode-se dizer que a própria literatura esteja entre os temas principais. O protagonista pretende ser um escritor, desiste de ser um escritor, acredita novamente que possa, pensa que não talento para tanto, e segue nesses dilemas até o final, que é onde sua vocação começa a ser realizada. Aqui também, o papel do tempo e da memória é inexorável.
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