Psicologia e Religião Oriental

Psicologia e Religião Oriental Carl Gustav Jung




Resenhas - Psicologia e Religião Oriental


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Psicologia e Religião Oriental
C.G. Jung disserta sobre a religião oriental, visando também uma comparação com o modo ociedental de ver o mundo.
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amilcarff 27/02/2009

A psique e a experiência religiosa.
Resenha e Fichamento do livro Psicologia e Religião Oriental.
(Obras Completas de C. G. Jung - Volume XI/5 - Editora Vozes, 1986)

Este livro é constituído de uma série de 7 prefácios escritos por Jung para obras de tradução e interpretação sobre religiões e filosofias orientais, tais como o hinduísmo, budismo e a yoga.

Neste livro Jung procura relacionar a filosofia oriental, nos seus conceitos e práticas, com a psicologia analítica desenvolvida por ele. O livro contém os seguintes prefácios-capítulos:


1 - Comentário psicológico sobre o "Livro Tibetano da Grande Libertação - ou o Método da Realização do Nirvana através do Conhecimento da Mente", de Padma Sambhava: Diferença existente entre o pensamento oriental e o pensamento ocidental. Comentário ao texto.
(escrito em 1939)


A psicologia trata todas as pretensas afirmações metafísicas como fenômenos espirituais cujas estruturas decorrem de certas disposições inconscientes. É assim que ela admite a existência de um "orgão de fé" que capacita o homem a conhecer Deus. Para Jung, "o homem precisa apenas tomar consciência que está contido na sua própria psique e que nem mesmo em estado de demência poderá ultrapassar estes limites". Desta forma a psicologia entende o "espírito" como uma função psíquica assim como diz que nada pode ser conhecido sem apresentar-se com imagens psíquicas.

Para Jung o mundo Oriental e Ocidental se opõem em suas atitudes respectivamente, Introvertida e Extrovertida e estas se refletem num comportamento religioso que acredita na "auto-redenção" tal como dita o budismo no Oriente, e numa relação de dependência com a graça de Deus ou da Igreja como observamos no comportamento do Ocidente Cristão.

Jung vê na meta da Yoga, o Samadhi, um estado psicológico em que o eu se acha praticamente dissolvido e portanto um estado inconsciente, ou ainda um estado de identificação com o inconsciente e assim salienta a contradição existente no pensamento oriental em enxergar neste um estado de consciência. Ainda sobre isto ele diz, "Mesmo que eu diga "Conheço-me a mim próprio", restará um eu infinitesimal - o eu cognoscente - que sempre se distingue de mim mesmo". Além disto ele exclui no pensamento ocidental as características qualitativas das classificações dos estágios de consciência que são empregados na filosofia da Yoga. Para Jung o importante é a dinâmica existente entre consciente e inconsciente no entanto, concorda com a importância de uma aproximação com o inconsciente, pois esta é também uma tarefa da psicologia.

"O inconsciente é a raiz de todas as experiências da unidade (dharma-kaya); é a matriz de todas as formas arquetípicas os naturais (sambhoga-kaya); e a "conditio sine qua non" do mundo das manifestações exteriores (nirmana-kaya)." (p.20)

Jung compara o conceito de compensação que existe na dinâmica entre consciente e o inconsciente com a filosofia chinesa do yin e yang. Enxerga de forma positiva o estado contemplativo exigido na busca espiritual oriental ao invés do retraimento aos objetos de desejo.

Jung enumera uma série de concordâncias e discordâncias entre a psicologia moderna ocidental e o conteúdo do Livro Tibetano da Grande Libertação. Entre as concordâncias encontramos o conceito de um espírito (inconsciente) possuidor de uma sabedoria intuitiva e sobre isto Jung acrescenta que "reconhece-se o espírito intuitivo pela circunstância de não observar os fatos, mas sobretudo as possibilidades". E continua comparado as qualidades do espírito aquelas do inconsciente, tal como a impossibilidade de abarcar o conteúdo infinito do inconsciente coletivo, a idéia da intemporalidade do inconsciente disforme relacionada aos sonhos premonitórios. O estado iluminado é comparado com o "abaissement du nivel mental" ou seja, da identificação inconsciente ou de "participação mystique" termo de Levy-Bruhl. Acedita que o termo "espírito único" não reflete a indefinição do inconsciente, neste sentido se utiliza da terminologia kantiana para definir o inconsciente como "um conceito-limite puramente negativo". Está de acordo a atribuição que se faz ao inconsciente das virtudes divinas, pois para ele, isto demonstra o fenômeno da compensação espontânea, que escapa do controle humano. Não concorda com a sublime indiferença moral presente na interpretação do livro, devido as suas consequências que isto teria para a consciência de um europeu. Compara o simbolismo da luz, da iluminação, com as características transformadoras da função transcendente sobre a consciência reflexa. Termina citando o seguinte trecho do livro: "Como não há duas coisas, a modo de ação e agente, alcança-se a meta de todos os resultados desejados e consequentemente a realização final, ao procurar-se o agente sem encontrá-lo em parte alguma".


2- Comentário Psicológico ao Bardo Thodol
(Livro Tibetano dos Mortos, editado por W. Y. Evans-Wentz, 1935)


Segundo Jung, "Bardo Thodol é um livro de instruções para o morto que acaba de deixar a vida. Deve servir-lhe de guia durante sua existência de Bardo - um estado intermediário de 49 dias simbólicos, período que se estende entre a morte e o novo nascimento (...) O texto se divide em três partes. A primeira chamada Tschikhai-Bardo, descreve os acontecimentos psíquicos que se passam na alma na hora da morte. A segunda, chamada Tschonyid-Bardo, descreve trata do esta onírico que tem início com a morte definitiva, e que são assim chamado ilusões cármicas. A terceira parte, dita Sidpa-Bardo, se desenvolve em torno do começo dos impulsos para geração e o novo nascimento e dos acontecimentos da vida pré-natal."

Para Jung e para Evans-Wentz, editor da versão inglesa do Bardo Thodol, este livro representa um processo de iniciação que tem por objetivo recuperar a divindade da alma perdida pelo nascimento. Jung interpreta este objetivo como sendo o mesmo da Psicanálise, ou seja "uma conscientização do conteúdo psíquico que ainda está por nascer." Jung localiza ainda a Psicanálise de Freud na terceira e última parte do livro, Sidpa Bardo, onde o morto incapaz de assimilar os ensinamentos do Tschikhai-Bardo e Tschonyid-Bardo, sucumbe aos assaltos de fantasias sexuais e logo é aprisionado em útero, para então reencarnar. Em seguida, o Karma trata por continuar o processo gerando o "complexo de Édipo". Jung enxerga o processo terapeutico de Freud como um trabalho de recapitulação consciente do percurso que leva até o estágio do aprisionamento uterino, refazendo o caminho inversamente. Neste ponto, Jung propõe que deveríamos nos esforçar por refazer conscientemente todo o caminho do Bardo, mas ressalta as limitações conceituais biológicas de que dispomos para tal feito. Resumindo, Jung considera que a Psicanálise de Freud se deteve nas experiências vitais de Sidpa Bardo, e isto faz com que, tal como a própria natureza deste estágio do Bardo, a alma permaneça numa tendência que a impele à existência física.

Jung interpreta o conceito de Karma, como uma espécie de genética psíquica que se apóia na hipótese da reencarnação. Jung nos diz que esta hipótese é tão improvável de ser demonstrada quanto a prova da existência de Deus, porém assume o conceito de herança psíquica. Dentro desta herança, existe uma classe que diz respeito a disposições espirituais de caráter genérico, que se manifestam através de imagens típicas, aos quais foram por isso denominadas, imagens arquetípicas. Estas imagens são geradas como que por orgãos psíquicos, complexos dinâmicos instintivos, os arquétipos determinam num grau mais elevado a nossa vida psíquica e que habitam o que Jung denominou Inconsciente Coletivo. Quando Jung se refere à arquétipos o que ele quer dizer é que, o que a psique herda são estruturas, formas sem conteúdo. Jung alerta em seguida que a passagem do estado de Sidpa para o Tschonyid é "uma perigosa inversão dos impulsos e objetivos do estado consciente, uma imolação da segurança oferecida pelo estado da egoidade à insegurança estrema de um jogo aparentemente caótico de figuras fantásticas". Jung afirma que ninguém escapou a esta travessia perigosa, isto está presente na emancipação do eu, rumo a uma liberdade ilusória e está dinâmica faz parte da totalidade do si-mesmo. Para a formação de um sujeito, é necessário que este se oponha ao objeto.

Jung continua dizendo que para nos lançarmos ao estado de Tschonyid, devemos assumir a realidade dos pensamentos e nos deparar com todos os mais terríveis demônios da morte para enfim enxergarmos as irradiações que provêm das quatro funções psíquicas, que constituêm a imagem de uma mandala e que se intensificam até a visão final que desfaz o carma e sua ilusão. É esta psicologia do mandala lamaico que esta analisada no livro "O Segredo da Flor de Ouro", publicado por Jung e Richard Wilhelm.

No final deste livro Jung faz uma crítica contundente aos ritos fúnebres ocidentais tão rudimentares se comparados as preocupações do Bardo, não por estarem insuficientementes convencidos da imortalidade da alma, mas por eliminarem completamente as necessidades psíquicas. Conclui que o Livro Tibetano dos Mortos é a afirmação de que a vida do homem é o veículo da mais perfeita realização possível, na qual se gera o Karma. Observa que o livro inteiro é extraído dos conteúdos arquetípicos do inconsciente. E conclama que o mundo dos deuses e espíritos "nada mais são do que" o inconsciente coletivo em mim.


3- A Ioga e o Ocidente
(Prabuddha Bharata, 1936)



Jung primeiramente analisa o interesse crescente dos ocidentais em manifestações religiosas do Oriente, como consequência do esfacelamento da Igreja Romana e posteriormente do Protestantismo e também devido a separação entre Ciência e Religião, que no Ocidente começou com o Renascimento no Século IV. Nas diversas formas religiosas sincréticas que surgiram na Europa do Século XIX, Jung observa que todas mantinham o pensamento principal do protestantismo, isto é, emancipação do indivíduo perante a autoridade da Igreja.

Jung observa que faltava ao Protestantismo, um sistema, um método e é por isso que muitos protestantes se interessaram pelos exercícios espirituais de Inácio de Loyola, rigorosamente católicos. Neste sentido a Ioga conseguiu satisfazer o anseio por um método que fosse ao mesmo tempo "espiritual" e "científico", como se pode ver nos exercícios respiratórios do pranayama, onde o prana é ao mesmo tempo a respiração e a dinâmica universal do cosmos.

O hindu, diferentemente do europeu, não separa corpo e espírito. e é por isso que Jung recomenda: "Estude bem a ioga. você aprenderá um número infinito de coisas com ela, mas não a utilize (...)". Jung diz que você pode aprender perfeitamente os exercícios através de um guru hindu, mas você saberá quem estará se utilizando da ioga? Como isto Jung quer dizer que o homem ocidental desconhece sua própria alma e isto pode ser perigoso para o praticante de Ioga.

Jung compreendeu que a meta da ioga é libertar a consciência do jogo entre sujeito e objeto. Como o método da Ioga está voltado para a consciência e a voantade consciente este procedimento só será promissor se o inconsciente não encerrar grande parte da personalidade. Originalmente a ioga era um processo natural de introversão. A psicoterapia moderna pode ser compara em alguns aspectos a ioga.

"A psicoterapia de Freud consiste em fazer com que a consciência do paciente remonte, de um lado, ao mundo interior das reminescências infantis e, de outro, aos desejos e impulsos recalcados pela consciência (...) Pare ele (Freud), o inconsciente é essencialmente um pequeno apêndice da consciência no qual estão reunidas todas as incompatibilidades. Para mim (Jung) o inconsciente é uma disposição psicológica coletiva de natureza criativa". Jung observa paralelismo entre a sua Psicologia Analítica, e a Kundalini-ioga, ioga tântrica do lamaísmo e taoísta da China. Jung desenvolveu por exemplo a técnica da "Imaginação Ativa" que visa o desligamento da consciência para ajudar a expansão dos conteúdos do inconsciente.

Jung observa que a antes de construir algo semelhante a Ioga a Civilizanao Ocidental que tem pouco mais de mil anos de existência, deve primeiramente libertar-se de suas unilateralidades bárbaras e conclui: "Com o perpassar dos séculos o Ocidente irá formando sua própria Ioga, e isto se fará sobre a base criada do Cristianismo."


4- Prefácio à Obra de Suzuki: A Grande Libertação
(D. T. Suzuki, Die Grosse Befreiung, 1939)


Jung começa este texto reafirmando a falta de conceitos ocidentais para palavras tais como: Tao, da concepção budista do Kamma, Satori (a qual sugere o termo iluminação). Sobre a iluminação, uma vez um professor budista disse: "Uma vez libertados da falsa concepção de si-mesmo, temos de despertar nossa mais íntima e pura sabedoria divina, chamada pelos mestres do Zen a mente de Buda, ou Bodhi (o conhecimento pelo qual o indivíduo experimenta a iluminação), ou Prajna (suprema sabedoria)."

Jung adverte que "o Zen é tudo menos filosofia no sentido ocidental da palavra". O aconselhável é deixar-se impregnar pelas obscuras historietas do Zen. Nukariya, contrariando alguns autores, compara a iluminação, como uma percepção da natureza do si-mesmo, uma emancipação da consciência em relação à ilusória concepção do si-mesmo. Jung observa que neste ponto, qualquer definição do si-mesmo é algo que difere do eu. "Da mesma forma que o eu é uma certa experiência do meu próprio ser, assim também o si-mesmo é uma experiência de mim próprio, a qual, entretanto, já não é vivida sob a forma de um eu mais amplo ou mais alto, e sim sob a forma de um não-eu."

O Satori pode ser interpretado como uma ruptura, uma passagem da consciência limitada na forma do eu, para forma do si-mesmo que não tem um eu. Como diz Mestre Eckhart: "Mas é na ruptura, quando desejo permanecer pura e simplesmente na vontade de Deus e livre também de sua vontade, de todas as suas obras e do próprio Deus, então é que sou mais do que todas as criaturas". Sobre isto Jung nos diz: "Aqui Deus não habita mais no interior do homem, pois o homem, com sua pobreza, alcançou novamente o que sempre foi e será eternamente". Esta então seria a descrição da substituição do eu pelo si-mesmo. Porém, Jung coloca aqui algumas interpretações possíveis para este tipo de experiência. Lembrando-nos para que observemosas coisas como fatos psíquicos, Jung analisa que neste estado surge uma nova disposição da consciência, um espaço vazio, que permanece receptivo e por isso sente as interferências de um não eu (inconsciente) que tem a consciência como objeto. Temos então a experiência religiosa já formulada por Paulo: "Eu vivo, mas já não sou eu, mas o Cristo que vive em mim". No âmbito critão, o satori, corresponde a uma experiência religiosa de transformação.

Em seguida Jung expõe seu ponto de vista sobre o método do koan para se atingir o satori. Por koan se entende uma questão paradoxal, uma expressão ou ação do mestre. A educação dos monges cria uma falta de pressupoto quase absoluta da consciência. O Zen difere de todas as outras práticas filosóficas e religiosas de meditação pela ausência radical de pressupostos, porém não se eliminam as respostas inconscientes que se opõem ao mestre ou aos koans como resposta. É assim que Jung vê o desenvolvimento do satori.

O mundo da consciência é por natureza limitado e unilateral. O inconsciente é a totalidade, não passível de observação direta, de todos os fatores psíquicos subliminares. Quando a consciência é esvaziada, seu conteúdo cairá então em um estado de inconsciência transitório. A energia é transferida então para o inconsciente de onde, após a produção máxima de tensão, emergirão conteúdos para a consciência num estado compensatório. Se o individúo conseguir assimilar estes conteúdos oferecidos pelo inconsciente obterá um quadro mais completo de sua personalidade individual, eliminando também os conflitos entre a personalidade consciente e inconsciente. Este é o princípio da moderna psicoterapia.

"Cada irrupção do inconsciente na consciência é uma resposta a uma situação bem definida da consciência, esta resposta promana das possibilidades reais da representação, isto é, da disposição global (...) que é uma imagem simultânea potencial da existência psíquica em geral. A dissociação em unidades isoladas, seu caráter unilateral e fragmentário se radicam na própria essência da consciência. A reação proveniente da disposição tem sempre o caráter de totalidade, pois reflete uma natureza que não foi dividida por uma consciência discriminativa (...) Quando depois de muitos anos da mais dura ascese (...) o devoto do Zen recebe uma resposta - a única verdadeira (...) pode se compreender tudo o que foi dito a respeito do satori."

Jung ainda analisa a relação de Mestre e Discípulo do Zen e a relação entre Psicólogo e Terapeuta. Sobre a última Jung diz se tratar de uma relação dialética entre duas totalidades psíquicas, na qual o conhecimento é apenas uma ferramenta para uma transformação, cujo único critério é o desaparecimento do senso de egoidade.

Jung conclui alertando ao ocidental que "a principal de todas as ilusões consiste em admitir que alguma coisa pode satisfazer alguém". E nisto, mais uma vez, Jung observa que o Zen é uma via de "integralização" descoberta pelos orientais para os orientais. Jung nos diz que a consciência individual é apenas uma parte do psíquico em geral, e que portanto nunca atingirá a totalidade. E é por isso que o que Jung nos propõe com seu processo de individuação é uma via para "tornar-se um todo".


5- Consideração em Torno da Psicologia da Meditação Oriental
(publicado em Symbolik des Geistes, 1948)

Jung começa salientando que as impressões ocidentais dos aspecto exótico, sensualidade transbordante, corporais e espirituias observadas na cultura indiana não correspondem a realidade tal como os próprios indianos se vêem. Estas imagens e formas não tem nada de onírico para o hindu, " mas são reais para ele, do mesmo modod que tocam algo, dentro de nós, com uma intensidade quase assustadora (...)". Pare o hindu, o mundo é aparência e sua realidade se aproxima daquilo que chamamos de sonho.

"A imersão em um estado que chamaríamos de inconsciente representa para eles o mais alto grau de consciência". A ioga se situa neste ambiente como a expressão mais eloquente do espírito hindu. Ioga significa "imposição de um jugo", ou disciplinamento das forças instintivas da alma. "O budismo em si é um fruto do espírito da ioga, que é mais antiga e universal do que a reforma de buda."

Os comentéarios que se seguem dizem a respeito de um texto budista pouco conhecido, transmitido em língua chinesa que é a tradução de um original sânscrito. Data do ano de 424 d.C.. Intitula-se Amitâyur-dhyâna-sûtra, Tratado de Meditação de Amitabha.

O exercício proposto pelo texto budista começa com a concentração sobre o sol poente. Logo a intensidade dos raios produzirá uma imagem duradoura na retina. Jung lembra aqui a fixação em objetos luminosos são um dos métodos hipnóticos conhecidos, porém no contexto desta meditação budista não se deve buscar um estado sonolência. Em seguida a meditação já não se baseia mais em um impressão dos sentidos, mas produz graças à imaginação ativa a mental da água em gelo. "Cria-se uma outra realidade, por assim dizer com material psíquico". Daí deve surgir a imagem de um chão azul e transparente, como um lago de vidro através de cujas camadas transparentes o olhar penetra nas profundezas. Destas profundezas brilha então o assim denominado estandarte de ouro" que se trata então do aparecimento de um que se estende "nas oito direções das rosa-dos-ventos" e é constituído de centenas de jóias de milhares de cores. Este sistema brilha então como mil sóis que revelam como a imagem persistente do sol adquiriu energia e se expandiu. A superfície do solo está coberta de cabos de ouro em forma de cruz ornados de jóias. Então deve-se meditar sucessivamente em cada uma das partes constitutivas com imagens claras e que nunca se dissipam. Àquele que alcançar este estado viverá na terra da suprema felicidade (Sukhâvatî). O estado de absorção total das conexões cósmicas no interior do indivíduo é chamado de Samadhi. Depois disso vem a meditação sobre as árvores das jóias do país de Amitabha. No texto budista é então o próprio Buda quem instrui a meditação em Amitabha: "Pocura ter a percepção de uma flor de loto no país das sete jóias". A flor possui 84.000 pétalas: cada folha possui 84.000 nervuras e cada nervura 84.000 raios, "cada um dos quais pode ser visto co clareza". Por fim, tua consciência se transformará no próprio Buda, será o próprio Buda." Jung conclui: "a percepção desta constituição (imagem de Buda) leva ao conhecimento de que Buda, a rigor, outra coisa não é senão a psique do iogue eem ação durante a meditação, a psiquee daquele mesmo que medita. Não é somente a forma de Buda que brota da 'própria consciência e dos pensamentos': a alma que produz estas imagens e estes pensamentos é o próprio Buda".

Jung observa que "a meditação sobre o significado do sol e da água é como uma éspecie de descida à fonte psíquica, ou, em outras palavras, ao nosso próprio inconsciente (...) De fato, sob a superfície refletora da água escondem-se profundezas desconhecidas, obscuras e misteriosas". Jung salienta que através do dhyana o inconsciente anteriormente invisível parece assumir uma forma definida. Neste ponto Jung volta a insistir, diferenciando o mundo psíquico ocidental e oriental, da maneira como a ioga vê o lado "sombrio" do inconsciente. Embora a ioga conheça muito bem o mundo das kleças, das forças desordenadas e caóticas dos instintos, ela desconhece o conflito moral tão presente no mundo ocidental.

Porém, psicologicamente, admite-se que numa camada mais profunda do inconsciente, por trás das kleças, existe uma camada de ordem e harmonia insuperável. À está descoberta hindu de um inconsciente suprapessoal e universal Jung dá o nome de Inconsciente Coletivo, uma camada do inconsciente recheada de imagens mitológicas. Devido a coincidência notável entre os estudos psicológicos e a ioga, Jung propôs o termo sânscrito mandala, para definir o arranjo concêntrico e radial que constitui a imagem recorrente da essência do inconsciente coletivo.

Ressaltando novamente as diferenças entre cristãos e budistas Jung nos diz finalmente que o cristão alcança a sua meta em Cristo, ao passo que o budista se reconhece como Buda. "O cristão parte justamente do mundo transitório do eu, enquanto o budista ainda se apóia no fundamento eterno da natureza."


6- O Santo Hindu
(introdução a H. Zimmer, Der Weg zum Selbst, 1944)

"A Índia moderna assumiu em larga escala, e posso confirmá-lo por minha própria experiência, a terminologia européia:o "si-mesmo", ou âtman e Deus são termos essencialmente sinônimos". Porém, se para os ocidentais a relação de "eu e si-mesmo" pode ser encarado como o deslocamenteo do problema metafísico "homem e Deus" para o plano psicológico, não se pode dizer o mesmo dos hindus. Enquanto os hindus acreditam na existência objetivo do si-mesmo a visão psicológica apenas identifica algo de desconhecido através de meios limitados, e o expressa em estruturas psíquicas sem saber se elas são adequadas ou não a natureza daquilo que queremos conhecer. "Psicologicamente, a única afirmação que se pode fazer é que o 'si-mesmo' apresenta uma sintomatologia religiosa parecida com a daquele complexo de afirmações que vem associada ao termo 'Deus'".

"O objetivo da prática oriental é idêntico ao da mística ocidental: desloca-se o centro de gravidade do ego para o si-memso, do homem para Deus, o que quer dizer que o eu desaparece no si-memso, e o homem em Deus (...) O ponto de vista cristão ao invés disto, e levando em consideração a natureza complexa da experiência (emoção + interpretação), não retira do eu a importância de sua função, sabendo claramente que sem ahamkara não haverá alguém para conhecer tal acontecimento".

"Cada coisa precisa do seu oposto, para poder existir (...) O eu precisa do si-mesmo, e vice-versa". A filosofia do Oriente nos lembra que "a tendência do puramente exterior pode transformar-se em enfermidade incurável, porque ninguém é capaz de compreender por que deve ser causa do próprio sofrimento".


7- Prefácio ao I Ging
(escrito em 1948 para a versão inglesa do I Ging, O livro das transformações. Traduzido por C. F. Baynes)

Jung que já conhecia o método do I Ging há algumas décadas, ainda guardava algumas dúvidas sobre a funcionalidade e utilidade do I Ging. No começo Jung empregava a técnica mais complicada das cinquenta varinhas de milefólio; mais tarde quando já tinha uma visão mais abrangente do funcionamento passou para a técnica das moedas a qual usou abundantemente. Jung afirma que a dificuldade maior está na interpretação dos resultados.

O interesse psicológico de Jung no método do I Ging é comparado à seu interesse pelos fenômenos psíquicos classificados como "casuais", os quais muitos deles já haviam sido "desmascarados" por Freud, como o caso dos lapsos de memória. Jung acredita haver regularidade aonde muitos vêem casualidade, embora admita que a demonstração desta regularidade é sumamente difícil. "Quando muito, o que se consegue é um certo grau de probabilidade. Jung acredita que os oráculos do I Ging se situam entre àquelas situações singulares que não oferecem nada que possa ser submetido a repetições experimentais, tais como em situações psicológicas complexas e individuais.

Jung admite que muitas vezes as conexões são bastantes vagas, porém observa que isto acontece com maior frequência quando a situação psicológica inicial não é muito nítida. É por esta razão que Jung não recomenda o I Ging para pessoas imaturas, propensas a brincadeiras, nem a temperamentos intelectualistas e racionalista. "O I Ging não se recomenda à base de demonstrações e resultados positivos; não faz alarde de si, nem vem espontaneamente ao nosso encontro".

Jung observa que tal como na Astrologia e horoscopia, nos deparamos, com a utilização do I Ging, com paralelismos insólitos entre eventos psíquicos e eventos físicos. "Quem se dedica à pesquisa do inconsciente depara com coisas insólitas (...) O lado irracional da vida ensinou-me a rejeitar o quer que seja".

Para prefaciar o Livro das Transformações Jung procedeu de forma muito interessante e conveniente. "Quando estava a ponto de escrever este prefácio, resolvi não fazê-lo, sem antes consultar o I Ging. Como se tratava, sobretudo, de tornar este livro acessível a um público novo, pareceu-me justo e razoável dar ao método uma oportunidade de manifestar-se a respeito de minha resolução." Jung questionou como o I Ging concebia sua situação naquele momento, como encarava o propósito de Jung apresentá-lo a um público moderno. Jung interpretou a resposta, o hexagrama 50: ding, a caçarola, como a resposta de um indivíduo que tem um elevado conceito de si mesmo, mas não é reconhecido por todos, ou cujo valor é simplesmente ignorado.

Quando o prefácio já estava adiantado Jung quis saber de que modoo I Ging encararia a nova situação que a introdução de Jung ia criar. Jung esperava algo que se relacionasse com o seu procedimento. A resposta foi o hexagrama 29: kan, o ser abissal. Jung interpretou o hexagrama reconhecendo nele suas disposições subjetivas, seu sentimento de insegurança e perigo, "uma situação difícil (...) uma fenda profunda cheia de água, na qual alguém pode ficar mergulhado sem poder sair".

Jung analisa: "Se fosse um ser humano que me tivesse dado as respostas, eu na minha qualidade de psiquiatra, deveria considerá-lo, até onde o material me permite julgar, como uma pessoa capaz de discernimento (...) deveria felicitá-lo, positivamente, pela sua percepção profunda de meu mal estar não expresso". Jung conclui reforçando que o Livro das Transformações "destina-se afinal àqueles que bem sabem o que fazer com ele".



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LINKS

Alguns aspectos da religião na Psicologia Analítica, Maurício Aranha

http://www.cienciasecognicao.org/artigos/art7.htm
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