Lucas Ed. 24/03/2012
Quando a falta de sentido toma conta...
-- esta resenha foi publicada, com algumas alterações, no blog melhoresdomundo.net --
Em TUA: Suíte do Apocalipse (o primeiro volume), Gerard Way (da My Chemical Romance) e Gabriel Bá nos apresentaram ao universo da Academia Umbrella: seis crianças especiais adotadas por um bizarro filantropo/alienígena, e treinadas para usarem seus poderes para o "bem" da América e do mundo. Criados como irmãos, no primeiro número eles acabam por enfrentar uma dos seus, que, abandonada na juventude, voltou para vingar-se.
Era uma trama boba, solta, cheia de elementos espirrados, sem grandes construções ou justificativas.
Que é exatamente o que acontece (duas vezes pior) em TUA: Dallas.
TUA: Dallas começa exatamente onde o primeiro álbum terminou: os irmãos conseguiram deter a Orquestra da Violino Branco, mas ao custo de terem perdido Pogo, o macaco, e sua mansão. Assim, somos re-apresentados a cada um dos personagens em suas novas condições.
"... um híbrido de Ensina-me a viver e X-men..." Los Angeles Times
Juro pra vocês, eu fiquei pensando por onde abordar o álbum para escrever essa resenha. E aí acabei escolhendo este, partir dos elogios publicados na quarta capa do álbum. Sim, desconsiderei completamente os elogios de Neil Gaiman (esta edição) e Grant Morrison (o primeiro álbum). Foi um artifício para manter um mínimo de respeito por estes dois senhores.
TUA tem raízes em X-men? Com certeza! Jovens superpoderosos desfuncionais, um patrono velho e misterioso, um líder de campo super-ético, um membro bad-ass capaz de retalhar todos os inimigos... E só. Sim, a referência não passa da superficialidade. Envolvendo viagens no tempo, existe uma referência óbvia a De volta para o Futuro num diálogo entre o AstroSpaceboy e uma versão passada de Pogo. A Temps Aeternalis deve muito ao B.P.R.D. de Hellboy. A destruição do mundo tem um quê de Guia do Mochileiro da Galáxia. O paradoxo temporal remete a Os 12 macacos. O problema é que essas coisas não se encaixam - nada se encaixa! TUA: Dallas é uma salada, uma coletânea de referências, de citações totalmente alheias umas às outras - e que se sucedem ignorando completamente umas às outras! A trama sequer tem consistência interna, isto é, sequer respeita as premissas que ela própria levanta! É interessante perceber como um "indefeso" Séance, que deveria estar sem poderes por lhe terem calçado tênis, consiga convocar o irmão. Ou que o grande conflito de Rumor seja resolvido totalmente num deus ex machina.
"A sua saga de uma família anormal de super-heróis esbanja originalidade e contém altas doses de ação, surpresa e esquisitices. Contra Costa Times"
Você pode ser muito gentil e chamar a sucessão esquizofrênica de acontecimentos desconexos da "trama" de TUA: Dallas como uma "alta dose de surpresa". Mas você também pode considerar que a Lua é uma imensa massa de queijo onde mora um coelho. Ou um santo católico com cavalo e dragão. Você pode considerar e acreditar no que quiser. Lembra das nossas correntes brincadeiras aqui sobre como surgem as ideias em reuniões de executivos? Então, é basicamente como TUA: Dallas foi concebida, com a diferença que Gerard Way digitou e Gabriel Bá desenhou EXATAMENTE a brainstorm, sem tirar nem pôr, sem filtro algum.
Uma prova disso é que, observados mais de perto, os personagens não têm peso nenhum. Eles não são reconhecíveis, inteligíveis, suas ações não fazem o menor sentido. Neste ponto, fiquei pensando muito em Scott Pillgrim contra o mundo, por exemplo, que tal qual TUA, é abarrotado de referências à cultura (pop) de massa. A diferença é que Brian O'Malley (de Scott Pilgrim) usa uma situação completamente humana (um jovem apaixonado por uma garota muito mais interessante que ele e tendo de enfrentar o passado dela) para fazer orbitar as referências - muitas vezes inesperadas, bizarras mesmo. Se você tira o conteúdo de drama humano, ficam só as referências, orbitando no total vazio, sem ter algo "concreto", lógico, que as signifique ou ordene. TUA: Dallas é como se você estivesse zapeando, indo e voltando intermitentemente por cinco canais de Tv, e depois jurasse de pé junto que aquilo constituiu uma história. Não constitui.
"A dissolução e a ambição fracassada de uma família de jovens extraordinários é mesclada com a paranoia apocalíptica e uma impressionantes (sic) esquisitice [Grant] morrisoniana. Boston's Weekly Dig"
É uma "trama" morissoniana? Com certeza! Na pior acepção da ideia: aquela que serve de recurso para a gente dizer que a história se pretende a muito mais coisas do que é capaz de entregar, que embola e confunde muito o leitor para gerar a completamente falsa impressão de que tudo fará sentido (e será genial) no fim. Nesse aspecto, TUA: Dallas é um engodo, uma enganação e só. Não é um drama familiar com super poderes, não traz nenhuma paranoia de nada e sequer consegue arranhar os trabalhos ruins do Morrison. Tem asinha, peninha, biquinho e pézinho de um videoclipe de uma banda ruim. Não acho que seja apenas coincidência que o "roteirista" seja vocalista de uma banda desse tipo...
Enfim, TUA: Dallas é uma daquelas HQ's que não vale o papel em que foi impressa. Não vale o tempo que gastou para ser lida, não vale sequer os bytes e a luz que eu gastei para escrever (e você, para ler) esta resenha. No fim, encare este texto que escrevi como uma ajuda humanitária - alguém precisava alertar as pessoas para economizarem seus vinténs. E isso faz tanto sentido quanto The Umbrella Academy: Dallas faz...
The Umbrella Academy: Dallas, Gerard Way (roteiros) e Gabriel Bá (arte). Editora Devir, 184 páginas, capa-dura, R$ 44,90.
Nota: -35.