Oz 19/12/2017
É difícil tentar escrever uma resenha “fria” de um romance, tentando procurar, minuciosamente, todos os méritos e defeitos de um livro, como se o resultado de uma leitura pudesse ser condensado em aspectos meramente racionais ou técnicos. Sendo assim, já me eximo da culpa de cometer possíveis - e prováveis - injustiças. O fato é que “A Praça do Diamante” não me cativou em nenhum momento. Descrito pela própria autora como um romance sobre o amor mas sem sentimentalismos, para mim soou mais como um romance sobre pombos.
Os pombos aparecem, de fato, no romance, servindo como uma espécie de metáfora do universo catalão que Rodoreda nos mostra, ora refletindo um certo aprisionamento, ora refletindo uma liberdade inocente, que, assim como diversos personagens do romance, partem para nunca mais voltar. Também temos a pomba principal, Colometa (significa “pombinha” em catalão), nossa protagonista e narradora. Ela é a pomba ingênua, que vê as coisas com os olhos de uma criança triste, admirando as bonecas nas vitrines das lojas e amando as flores. É imersa nessa inocência que se apaixona por Quimet em um dia de festa na Praça do Diamante. Ele vira seu marido e, através dos anos, constrói com ela um relacionamento inconstante, permeado de dificuldades, ciúmes e alguns passeios de moto. Desse relacionamento, nascem duas crianças, Antoni e Rita, que passam a fazer parte do universo doméstico de Colometa.
Seguimos acompanhando os dias e as preocupações ordinárias de Colometa, que afirma em determinado momento: “eu não sabia muito bem por que estava no mundo”. E assim ela (e nós, leitores) permanece alheia a todo o caos que ocorre a sua volta, com a eclosão da Guerra Civil Espanhola. Esse é um dos pontos em que a escolha de Rodoreda é crucial para a condução da narrativa: deixar as questões da Guerra Civil como um plano de fundo, cobrando seus tributos lentamente na vida de Colometa.
Em face dessa estrutura do romance, o grande problema comigo é que a minha empatia com Colometa beirou o zero, bem como a sua forma de narrar. Discordando dos comentários animadores daqueles que recomendaram esse livro, não senti nenhum entusiasmo pela narradora, da primeira à última página. Embora a forma do seu discurso se encaixe com a personagem (simples, humilde e quase infantil), ela me pareceu muito descritiva e cansativa, em um formato que não me agrada. Exemplo de um trecho:
“O Quimet ficou entusiasmado e disse ao Cintet que ele não podia deixar escapar esse apartamento de jeito nenhum, e o Cintet disse que no dia seguinte iria junto com o Mateu e que deveríamos ir também. Todos juntos. O Quimet perguntou-lhe se ele sabia de alguma moto de segunda mão, porque um tio do Cintet tinha um posto e Cintet trabalhava no posto do tio dele, e o Cintet disse que iria dar uma olhada”.
Enfim, muita descrição, um “disse que disse” que me cansou. No posfácio, Rodoreda se defende da acusação de um amigo seu que disse a ela, após ler o romance, que Colometa era uma personagem boboca. Concordo completamente com ele. Ainda que, em última instância, a defesa dessa acusação possa ser por meio de uma justificativa em que a autora escolheu, propositalmente, esse ponto de vista, alheio aos grandes percalços sociais e se atendo aos problemas rotineiros de uma “mulher comum”, acho que ela acabou criando um dos pontos de vista (e personagem) mais chatos das opções que tinha ao escrever essa história. Se ela tivesse escolhido outro pombo para acompanharmos sua história, talvez eu não tivesse tido a mesma impressão negativa. De todo modo, fica ainda uma pequena recompensa no fim do livro, no que talvez seja a cena mais interessante de toda a história. Será que Colometa conseguirá, finalmente, uma espécie de redenção do seu sentimento de “não pertencimento”? Ou encontrará um desfecho que apenas coloca um ponto final em sua vida ordinária? Foi interessante conhecer o destino da pomba, mas foi difícil acompanhar seu trajeto, ainda que isso soe injusto para uma boa parte dos leitores.
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