Abduzindolivros 08/04/2023
Você foi demitido e está prestes a perder sua esposa, e decide fazer uma tatuagem. As chances de isso terminar contigo saindo do estúdio depois de tatuar ?Suellen? bem grande no seu antebraço esquerdo são tão grandes quanto o arrependimento depois kkkk
Só não é tão grande quanto o arrependimento do Sr. William Phillipus Phelps, que teve seu corpo inteiro ilustrado por uma bruxa tatuadora com imagens ultrarrealistas contando várias histórias, e mostrando o futuro de quem encarar os desenhos por muito tempo.
É esse começo matador que introduz os contos que, cara, é um melhor do que o outro. Todos os contos têm uma linguagem simples, sem firula, um texto enxuto, mas com mensagens muito profundas por trás. Foi difícil escolher o meu Top 5 dentre os contos, mas eu vou comentar um pouquinho dos meus favoritos aqui para vocês:
5?O Homem do Foguete: um astronauta vive dividido entre as viagens espaciais e o tempo na Terra com a família; quando está em um lugar, deseja o outro. Sua esposa vive um luto toda vez que ele parte, e torce para que cada viagem seja sua última.
Mexeu demais com meus medos de perder as pessoas que amo, e as dores de enterrar pessoas vivas dentro do peito.
4?O Visitante: um grupo de pessoas está isolado em Marte, vítimas de uma doença mortal e infecciosa. Para consolá-los, recebem a visita de um homem com a habilidade especial de hipnotizá-los para que revivam memórias especiais e sintam as sensações; no entanto, o egoísmo atrapalha o que poderia ser seu último prazer em vida.
Quantas vezes nós deixamos de aproveitar algo que pode ser muito bom por causa de ciúmes e sentimento de posse? O ser humano tem uma habilidade incrível de estragar tudo o que pode ser bom justamente por ser livre.
3?A Última Noite do Mundo: todas as pessoas do mundo sonharam que a vida na terra acabaria naquela noite, e trataram de aproveitar os seus últimos momentos.
Não vou dizer o que fizeram, apenas revelarei que faria exatamente o mesmo! E é isso que espero da humanidade ??
2?O Foguete: uma família pobre vivendo numa época em que as viagens espaciais são possíveis para quem pode pagar por elas, economiza dinheiro suficiente para que apenas um deles possa realizar esse sonho; no entanto, o pai dá um jeito de fazer com que todos possam viajar.
Uma lindeza de conto que passeia por uma crítica social foda e rende uma homenagem incrível ao poder da imaginação, da união familiar e de nunca deixar de sonhar ? sem romantizar a pobreza, mostrando com certa melancolia que somos obrigados a fazer o que podemos com os recursos que temos para realizar sonhos que também merecemos ter.
1?Caleidoscópio: um foguete explode e seus tripulantes são atirados no espaço: o que farão, dirão e pensarão em suas últimas horas de vida?
Esse foi meu favorito, tanto pela carga dramática, explorando uma miríade de emoções, quanto pela beleza das descrições: pude imaginar tudo com tanta vivacidade, é lindo. Triste, belo, melancólico e carregado de esperanças; nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Enquanto há morte em tantos lugares, há vida em outros, um ciclo perpétuo de finais alimentando novos inícios.
Esses foram meus favoritos, mas os outros que deixei de fora não ficam para trás. Vários exploram o medo do desconhecido, a violência, o controle, o horror... Provocam extrema agonia, como o conto ?A Longa Chuva?, que me impressionou pela criatividade em torturar seus personagens ?, fiquei chocada e arrepiada, enlouquecendo junto com eles.
O livro se encerra contando a história do Homem Ilustrado, e assim: matou com chave de braço, opa, quero dizer, de ouro ?. Queria poder comentar mais sobre, mas não conseguirei sem dar spoiler, e essa experiência eu não quero estragar. É um final mais do que digno, perfeito.
A introdução escrita pelo autor é um show à parte: ao contar a história de um garçom que passava suas madrugadas dançando para não estar morto, Bradbury passa para nós todo seu amor pela escrita, e o quanto contar histórias era seu meio de se sentir vivo ?? e não tem como não desfrutar dessa paixão dele nas próximas páginas.
Inclusive, me identifico muito. A leitura, para mim, sempre foi minha conexão com a vida, a minha melhor forma de experimentá-la e compreendê-la. Leio para não estar morta, e agradeço a todos os autores que escreveram para nosso alimento ?? (aliás, há um conto, ?Os Exilados?, no qual o Bradbury faz uma linda homenagem aos escritores que o inspiravam, sempre criticando a possibilidade de suas obras serem esquecidas, perseguidas e queimadas ?)
Por fim, é um baita livro, com certeza vou reler! Recomendo fortemente.