Vivi_ 12/07/2010
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 3ed. São Paulo: Cortez: Brasília, DF: UNESCO, 2001.
O francês Edgar Morin é antropólogo, sociólogo, filósofo, pesquisador emérito do CNRS. É formado em Direito, História e Geografia, realizou estudos em Filosofia, Sociologia e Epistemologia. É considerado um dos principais pensadores da contemporaneidade e um dos principais teóricos da complexidade. Em seu livro “Os sete saberes necessários à educação do futuro”, ele propôs alternativas para o modelo de enxergar a educação em nossa geração, portanto, a partir de seu vasto conhecimento, ele arquitetou algumas maneiras de harmonizar as relações do todo integrado que é o mundo em que vivemos, trazer à realidade boas práticas educacionais.
O livro supramencionado encontra-se dividido em sete capítulos: As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; os princípios do conhecimento pertinente; ensinar a condição humana; ensinar a identidade terrena; enfrentar as incertezas; ensinar a compreensão e, por fim, a ética do gênero humano. Eles visam a abordar uma gama ampla de assuntos concernentes à maneira que o conhecimento é repassado para demonstrar o quanto tudo está interligado e precisa ser visto em conjunto e não cada vez mais fragmentado, como temos atualmente.
Morin não busca impor as ideias que se propõe a demonstrar, porém acredita que se assim as práticas se estruturarem, alcançaremos o que há de essencial numa ética do gênero humano, em que se reconhece a identidade terrena; a importância do eu, do outro e da interação e compreensão entre esses.
O autor alerta: esse livro não é um tratado sobre o conjunto das disciplinas que são ou deveriam ser ensinadas, mas de boas práticas a serem sugeridas e as deficiências constatadas. A princípio, discorre sobre o fato de que não se sabe o que é propriamente o conhecimento humano, contudo este não pode ser considerado uma ferramenta ready made, de modo que a educação deve mostrar que não há conhecimento que não esteja, em algum grau, ameaçado pelo erro e pela ilusão. Por exemplo, na teoria da informação comprovou-se que existe o risco do erro sob o efeito de perturbações aleatórias ou de ruídos (noise) em qualquer transmissão de informação, assim como é sabido que o contexto influencia no nosso sentido, a visão, seja pela iluminação, seja pelos elementos no entorno etc. Além disso, a projeção de nossos desejos ou de nossos medos e as perturbações mentais trazidas por nossas emoções multiplicam o risco do erro. Embora estejamos cientes dessas possibilidades, está na lógica organizadora de qualquer sistema de ideias resistir à informação que não lhe convém ou que não pode assimilar. A doutrina mesmo obedece a um modelo mecanicista e determinista para considerar o mundo, de forma que ela não é não é racional, mas racionalizadora. Esse racionalismo que ignora os seres, a subjetividade, a afetividade e a vida são irracionais. Morin reflete e remete-nos ao fato de que o ocidente europeu acreditou, durante muito tempo, ser proprietário da racionalidade - vendo apenas erros, ilusões, atrasos nas outras culturas e julgava qualquer uma pela medida do seu desempenho tecnológico, desconsiderando mitos, magia, religião, lógica pra construir ferramentas e então formou indivíduos que passam a agir, pensar conforme paradigmas inscritos culturalmente neles – os quais determinam operações lógicas-mestras, conceitos-mestre. É um processo inconsciente, mas irriga o pensamento consciente, controla-o e - neste sentido-, é também supraconsciente. Persiste entre nós o paradigma cartesiano que separa a filosofia e a pesquisa reflexiva da ciência e a pesquisa objetiva, à medida que se encarcera o conhecimento através de seus imperativos, normas, proibições, bloqueios, tabus, os quais não são contestados, apenas seguidos. Há o imprinting cultural, marca matricial que inscrever o conformismo a fundo, e a normalização que elimina o que poderia contestá-lo. Acostumados com essa visão de mundo, o inesperado surpreende-nos e não estamos ainda suficientemente estruturados para acolher o novo, mas para repudiá-lo, entretanto cabe aos educadores lançarem-se a esse desafio de demonstrar o novo, uma visão que abarque as condições bioantropológicas, noológicas, socioculturais, históricas, psíquicas através do diálogo entre elas, da complementação. Também deve compreender que, na busca da verdade, as atividades auto-observadoras devem ser inseparáveis das observadoras, as autocríticas das criticas, processos reflexivos e objetivação. Necessitamos que se cristalize e se enraíze um paradigma que permita o conhecimento complexo. A hiperespecialização impede tanto a percepção do global (fragmenta em parcelas), quanto do essencial (ela dissolve). É uma forma particular de abstração, rejeita os laços e as intercomunicações.
A partir do século XVI, inicia-se uma era planetária, através do estabelecimento da comunicação entre todos os continentes, todas as partes do mundo se tornaram solidárias, não se pode, contudo, ocultar as opressões e a demolição que devastaram a humanidade e que ainda não desapareceram. A partir disso, percebemos que a educação para a compreensão está ausente no ensino. O planeta necessita, em todos os sentidos, de compreensão mútua. Além disso, há a necessidade de estudar a incompreensão a partir de suas raízes, suas modalidades e seus efeitos. Este estudo é tanto mais necessário, porque enfocaria não só os sintomas, mas as causas do racismo, xenofobia, desprezo. Constituiria ao mesmo tempo uma das bases mais seguras da educação para a paz, a qual estamos ligados por essência e por vocação. A educação deve contribuir não somente para tomada de consciência da nossa Terra-pátria, mas também permitir que esta consciência se traduza em vontade de realizar a cidadania terrena. Aconselha-nos a aprender a “estar aqui” no planeta: a viver, a dividir, a comunicar, a comungar. Devemos nos dedicar não só a dominar, mas a condicionar, melhorar, compreender.
Acredito que Morin buscou condensar em um espaço pequeno uma infinidade de assuntos bastante complexos, de forma que – por vezes –transmitira-se a impressão de que algumas questões foram tratadas superficialmente ou mesmo o foco inicial delas fora desviado em razão de momentos em que apenas era reiterada a ideia principal de constituirmos uma unidade e que a fragmentação nos aparta de enxergá-la em sua totalidade – de forma que se manifesta imprescindível a mudança de paradigmas, posturas, de um olhar mais acurado à essência do ser humano, seus arquétipos, culturas, diferenças e similitudes, buscando trabalhar de forma a abranger a multiplicidade de conceitos, manifestações existentes no planeta a fim de que se harmonizem as relações interpessoais, ou - por enquanto - amenizem-se as vicissitudes.
Recomendo a leitura principalmente para acadêmicos da licenciatura, como aqueles que já trabalham com a educação, visando a ampliar as maneiras de enxergar o mundo e a si mesmo. Mesmo que, a princípio, um livro tão curto soe pretensioso em abordar um tema tão amplo – entendi como uma espécie de combustível para gerar a “reação em cadeia das reflexões”, ou seja, a partir do momento em que o autor nos diz no fim do livro em “A propósito de uma bibliografia” que se trata de um texto de proposição e reflexão, explica que não irá delimitar uma bibliografia, dada a amplitude de assuntos tratados, e também porque tampouco saberia indicar pequena quantidade de livros, portanto compreende-se que cabe àquele que sentiu o desconforto, que sentiu vontade de estruturar melhor as ideias por ele repassadas -, ir buscar e criar as suas próprias referências e passar adiante o conhecimento adquirido.
Viviane Azeredo de Menezes, Acadêmica do Curso de Letras/Licenciatura em Inglês da UFRGS.
O dever principal da educação é de armar cada um para o combate vital para a lucidez.
MORIN, Edgar.
Sugestões:
Vídeo sobre a influência do contexto para formar as imagens que vemos (arrisco-me a fazer a analogia ao momento em que Morin comenta sobre a interferências naturais na comunicação, portanto afastando a ideia de que haveria apenas uma interpretação certa, visto que são múltiplas):
http://www.ted.com/talks/beau_lotto_optical_illusions_show_how_we_see.html
Filme que surgiu para mim coincidentemente na época em que lia o livro de Morin:
Ponto de Mutação.
http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Ponto_de_Muta%C3%A7%C3%A3o
http://kavorka.wordpress.com/2006/09/29/ponto-de-mutao/
http://www.youtube.com/watch?v=NNH240tvPlQ
Diz Marx: “Qualquer reforma do ensino e da educação começa com a reforma dos educadores.” Esta é uma das citações mais utilizadas por Morin quando trata da questão do pensamento complexo e da reforma dos educadores no processo de criação de uma nova educação.
For the French philosopher and sociologist, dialogue is only possible between individuals who recognize each other as subjects with the same dignity and the same rights. That is why he is pessimistic about our era, which he describes as marked by Manichaeism and a breakdown in understanding.