z..... 14/06/2018
Edição Hemus - Texto integral (2005)
Uma aventura de desbravamento e heroísmo científico, em região selvagem pouco conhecida, o sul da África, apresentada aos leitores de Verne em emoções valorizadas no contexto de época, instigantes à leitura, insinuando obra espetacular aos apreciadores de aventura. Eita! Só que não, pelo menos para mim...
É óbvio que cada livro tem seu contexto, expresso na realidade inspiradora, sendo um pouco injusto avaliá-lo através de paralelos da atualidade. Mas não consigo fugir disso, implicando em uma falta de identificação total com algumas das emoções de época valorizadas por Verne.
Há o heroísmo científico (expressão que tirei da obra)? Sim, na união anglo-russa, disposta a ampliar o conhecimento científico através de expedição com obstáculos desafiadores. Para ser mais exato, ingleses e russos, entre astrônomos, matemáticos e geógrafos, buscam medições geodésicas do meridiano na África do Sul (não sei explicar que negócio é esse, mas é o objetivo). A expedição se inicia pelo rio Orange, tudo novidade e curiosidades para nossos cientistas expedicionários (também para o leitor, que Verne aguça com sua maestria em pesquisas enriquecedoras), e aí temos as tais emoções, que me pareceram ilustração do colonialismo.
Sou fã do Verne, mas convenhamos que também escrevia coisas horríveis, sucesso em sua época, naquilo de dar circo para o povo. Ingleses e russos, aonde vão, promovem matanças e agressões violentas à natureza em vários episódios, como se tudo estivesse a seu dispor e bel-prazer. É a mentalidade sem filtros do colonizador... As caçadas foram concebidas para serem atrativas aos leitores, registrando-se tiros em coelhos que explodiam, elefantes sucumbindo ao balaço, rinoceronte negro tombando, gazelas e hipopótamos no mesmo destino e, para fechar com chave de ouro a escrotice faraônica de alguns dos cientistas caçadores, temos uma luta de um deles com macaco, que obviamente sucumbe também, sufocado e a peso de machadada na cabeça vinda da ajuda providencial de um de nossos heróis... A primeira parte do romance tem esse paralelo de expedição científica e barbárie. Ficção ou não, reproduz a percepção do colonizador, reforçada pela pintura bestial da fauna para valorizar o feito. O mais terrível nesse ponto foi quando dizimaram um bando de leões em seu covil, afinal eram feras terríveis capazes de saltos de vinte passos...
No segundo momento há separação entre os expedicionários, quando descobriram que seus países estavam em guerra. Conflito entre as nações por conta dos interesses específicos no Oriente. Nenhuma novidade, diante de interesses e ações bárbaras aqui, o que certamente deveria ser a mesma disposição pelos lados de lá... Mas estamos num romance Verneano e as adversidades experimentadas pelos expedicionários os uniu, sobrando o papel de inimigo e vilão para quem? Os Macalolos, nativos de tribo africana, a exemplo das feras, também demonizados para justificar os balaços que levaram... e também machadas que formaram pilhas de corpos...
Taí o colonizador em seu espírito de heroísmo fodástico. Esse é o romance. Não curti e nem dava com essa mentalidade. Não é questão de politicamente correto, é falta de empatia mesmo.
Esses colonizadores, nessa disposição, me trazem a lembrança de algo citado por Jesus em João 10:10, mas só a primeira parte ("...o ladrão vem para matar, roubar e destruir..."). Todo conhecimento heroico deveria promover o bem, como propôs Jesus, na segunda parte desse versículo (..."eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância").