arthurnumeriano 13/08/2012
Um bom início de trilogia
Tudo agora é distopia. Não estou reclamando, até porque eu curto uma boa distopia. Mas gosto ainda mais de distopias que têm um diferencial, algo que torna a história ainda mais interessante. E por isso não podia deixar de resenhar Pure.
Pressia pouco se lembra das Explosões ou de sua vida no Antes. Deitada no armário de dormir, nos fundos de uma antiga barbearia em ruínas onde se esconde com o avô, ela pensa em tudo o que foi perdido — como um mundo com parques incríveis, cinemas, festas de aniversário, pais e mães foi reduzido a somente cinzas e poeira, cicatrizes, queimaduras, corpos mutilados e fundidos. Agora, em uma época em que todos os jovens são obrigados a se entregar às milícias para, com sorte, serem treinados ou, se tiverem azar, abatidos, Pressia não pode mais fingir que ainda é uma criança. Sua única saída é fugir. Houve, porém, quem escapasse ileso do Apocalipse. Esses são os Puros, mantidos a salvo das cinzas pelo Domo, que protege seus corpos saudáveis e superiores. Partridge é um desses privilegiados, mas não se sente assim. Filho de um dos homens mais influentes do Domo, ele, assim como Pressia, pensa nas perdas. Talvez porque sua própria família se desfez: o pai é emocionalmente distante, o irmão cometeu o suicídio e a mãe não conseguiu chegar ao abrigo do Domo. Ou talvez seja a claustrofobia, a sensação de que o Domo se transformou em uma prisão de regras extremamente rígidas. Quando uma frase dita sem querer dá a entender que sua mãe pode estar viva, ele arrisca tudo e sai à sua procura. Dois universos opostos se chocam quando Pressia e Partridge se encontram. Porém, eles logo percebem que para alcançarem o que desejam — e continuar vivos — precisarão unir suas forças.
A grande diferença entre Pure e as demais distopias recentes – restringindo-se apenas às que li – é que o livro de Julianna Baggott dá muito mais ênfase ao evento apocalíptico que mudou o planeta. Enquanto The Hunger Games, a distopia do momento e o atual pilar do gênero, tem como destaque os personagens e pouco fala sobre o desastre que alterou a Terra, Pure dedica grande parte de suas páginas ao ataque nuclear e às consequências que ele desencadeou nos personagens. É um diferencial que me agradou bastante.
Além disso, é a distopia menos futurista que já li. Enquanto em outros livros a história se passa décadas e até mesmo centenas de anos depois do evento catastrófico, a de Pure acontece apenas nove anos depois das tais Explosões. É um caminho interessante a ser usado por um autor porque lhe dá espaço para mostrar a transformação do mundo, como as pessoas vão perdendo o que existia, a cultura, a religião, os ideais etc.
Mas também é um caminho mais vulnerável a falhas. Em determinado momento da história, Pressia encontra uma foto de pessoas assistindo a um filme em 3-D num cinema. Ela não sabe o que é 3-D, muito menos para que servem aqueles óculos. Tudo bem, Pressia tem 15 anos, portanto tinha apenas 6 quando aconteceram as Explosões; dá para engolir o fato de ela não conhecer o 3-D. Mas o problema é que outros personagens, mais velhos do que Pressia, também parecem não conhecer o 3-D, ou pelo menos o conhecem como se fosse algo com o qual eles nunca conviveram. São falhas que, mesmo que não prejudiquem o desenvolvimento da história, mostram que a autora poderia ter tido um cuidado maior ao escrever o livro.
O que realmente me atraiu em Pure foram, como já disse, o evento apocalíptico e as consequências por ele desencadeadas. Aqueles que ficaram do lado de fora do Domo quando as Explosões aconteceram tiveram seus corpos alterados pela radioatividade de formas muito estranhas – algumas até fantasiosas demais. Pressia, por exemplo, tem a cabeça de uma boneca fundida à sua mão. Bradwell tem pássaros em suas costas. Há menção a humanos que tiveram partes do corpo fundidas a objetos, a outros humanos, mas há também aqueles que foram fundidos a árvores e até mesmo a areia! Como essas pessoas sobrevivem sem infecções, eu não sei – eles falam que essas fusões aconteceram durante o ataque nuclear a Hiroshima e a Nagasaki, na Segunda Guerra Mundial, e fica por isso. Não seria nada mal uma explicação mais concreta e plausível.
Em certo momento de Pure, sabe-se que um dos planos por trás das Explosões era criar uma subespécie de pessoas fundidas que serviriam de escravos aos puros do Domo quando estes voltassem a viver no mundo exterior. Honestamente, o plano me pareceu muito imbecil, ainda mais vindo da aprimorada – e eles frisam bastante isso – mente de Ellery Willux, uma das pessoas mais poderosas do Domo e responsável pelas Explosões. Além disso, uns momentos e reviravoltas do livro abusam do uso da coincidência na história e outros jogam dezenas de informações ao leitor sem nem ao menos deixá-lo respirar.
Apesar dessas falhas, Pure é um livro em que muita coisa acontece, principalmente nas últimas cem páginas. Há inclusive uma cena que me chocou bastante. Não vou entrar em detalhes, porque é um spoiler, mas envolve a morte de um personagem. Na verdade, são dois personagens que morrem ao mesmo tempo. A cena é inicialmente bonita e termina com uma grande tragédia que realmente me comoveu – o que é muito difícil.
Os personagens de Pure podem agradar a uns e desagradar a outros. Para falar a verdade, apenas dois me interessaram, e não são os protagonistas: Bradwell e El Capitan (e consequentemente seu irmão Helmund, que foi fundido a ele). Não sei porque eles me agradaram, até porque eles não têm aquele detalhe que os diferencia dos demais. Talvez eu tenha gostado deles pelo simples fato de que foram os que menos me desagradaram. É complicado. Pressia não é exatamente uma garota forte e com espírito de líder, o que é compreensível porque não se espera algo assim de uma garota de quase 16 anos, mas em alguns trechos toma atitudes muito controversas. Partridge é um fraco que só sabe pedir desculpas e apenas no final do livro começa a mudar. Lyda parece ter caído de paraquedas na história, mesmo tendo uma boa participação. Não estou dizendo que os personagens foram mal-desenvolvidos. Muito pelo contrário, todos evoluem ao longo do livro. O problema é que eu demorei a perceber o objetivo de cada um na história.
O mundo criado por Julianna Baggott é diferente e atraente, isso é inegável. Mesmo as falhas já citadas não tornam o livro ruim, apenas, como disse, demonstram que faltou um pouco de atenção da autora, que, por outro lado, demonstra que fez o dever de casa e pesquisou bastante sobre nanotecnologia biossintetizada. O livro possui ideias interessantes – que podiam ser melhor trabalhadas – quanto ao que realmente pode acontecer a uma sociedade destruída por bombas nucleares. Pure se mostrou um bom início de trilogia e me deixou ansioso pelo segundo livro.