Juli 26/01/2016Um pedaço da vida de Oscar Wilde Quando eu estava na quinta série do Ensino Fundamental, li uma adaptação do livro O Fantasma de Canterville para a matéria de Português e mesmo sendo apenas uma criança, apaixonei-me imensamente pelo estilo e pela magia estranha que envolvia os contos escritos por quem eu viria a descobrir ser uma das maiores figuras da literatura inglesa – Oscar Wilde. Naquele tempo, meu único meio de conseguir livros era visitando alguma livraria de shopping center nas cidades vizinhas ou pedir que minha avó os comprasse nas suas viagens a Florianópolis ou Blumenau. Naquele ano, pedi que ela me trouxesse qualquer livro desse tal Oscar Wilde que eu tinha conhecido na aula de português, e quando ela apareceu com um livro amarelo e pequeno, e com uma ilustração intimidadora para uma criança na capa, confesso que não foi muito animador.
Por muito tempo esse livro ficou juntando poeira na minha estante, e só agora resolvi lê-lo como parte da Meta 2016, justamente para desencalhá-lo. Uma das minhas primeiras leituras do ano foi extremamente reveladora, excitante e encantadora.
De Profundis é um compilado de escritos de Oscar Wilde, que consiste em três cartas. A primeira e mais longa (90% do livro, eu diria) é uma extensa carta que o autor escreveu para Lord Alfred Douglas, ou “Bosie”, como o chama, enquanto estava na cadeia. A segunda e terceira são escritos consideravelmente menores (mas nem por isso menos interessantes) do autor ao Jornal Daily Chronicle após já estar em liberdade.
Antes de ler esse livro, eu sabia muito pouco sobre o autor. Havia escutado algo aqui e lido algo ali, e tinha uma visão completamente distorcida do mesmo. Na minha mente de informações limitadas, Wilde era uma figura egocêntrica e presunçosa, que havia corrompido um inocente jovem da elite para aproveitar-se do mesmo, praticamente um pedófilo. Mas eu não poderia estar mais errada. Sua longa carta a Bosie é mais bem escrita e interessante que muitos romances. Ela começa com uma breve introdução à vida de Wilde na prisão e de sua relação com o destinatário. Ao longo dela, o autor conta toda a sua história com Bosie, como era sua relação, como “sua amizade” afetou a vida dele, enfim, toda a jornada que uniu essas duas figuras tão peculiares. Descobrimos que a diferença de idade entre eles não era tão enorme como eu pensava, e que Lord Alfred Doulgas estava longe de ser uma criança inocente. Descrito como um jovem extremamente narcisista e até mesmo vil, destruiu de tantas maneiras a vida de Wilde que eu nem saberia por onde começar. Parece uma novela o jeito com que ele entra na vida de Wilde, faz o que bem entender, até que finalmente o autor vai para a prisão. Brigavam praticamente a cada dois meses; há um momento que Wilde diz que mudou-se de país apenas para fugir da amizade tóxica que mantinham, mas falhou.
Ao que Oscar Wilde conta, Bosie destruiu sua carreira, sua inspiração artística, sua imagem social e sua fortuna. Se ele foi sincero no seu relato (o que acredito que tenha sido), a vida que esses dois levaram juntos é algo tão excêntrico que parece ficção. Não pesquisei a fundo sobre a relação dos dois, e o livro é muito breve quanto ao tipo de relação que eles mantinham – provavelmente eram ou foram amantes em algum momento. Além de sua saga que perdura por alguns anos, Oscar Wilde divaga sobre diversos temas relacionados a sua vida e ao cárcere, como religião, a natureza do homem, a sociedade, a verdadeira felicidade e o papel do amor no coração de um homem. É triste, edificante, filosófico, interessante; são as palavras de um artista na prisão, preso praticamente por crime nenhum. As suas ideias são tão simples e claras mas ao mesmo tempo tão poderosas que muitas vezes me atingiram como um raio.
As duas últimas cartas, bastante curtas, são escritos para o editor do Daily Chronicle sobre o cárcere. Escrevendo para o jornal de ampla divulgação, ele espera conseguir ter sua voz escutada quando denuncia calamidades que viveu na prisão ao apresentar relatos inacreditáveis desse mundo. Podemos imaginar, ao final dessas três cartas, como é uma prisão da Inglaterra no Século XIX, e essa visão é assombrosa. O impacto dessa visão se dá justamente porque, diferentemente de um livro de ficção, essa singela obra de Wilde é sobre a vida real. O que ele descreve existiu, e pessoas reais passaram por aquilo. Ele inclusive dá seu parecer sobre quais mudanças deviam ser feitas no sistema prisional, e sua preocupação é justamente com a fome e a doença, com a falta de educação e tratamento desumano principalmente com as crianças.
De Profundis é um livro curto, dinâmico, e certamente muito interessante de se ler. É válido para todos que se interessem, nem que seja só um pouco, pela vida do autor ou pelo contexto das cartas. Para mim, foi uma leitura muito reveladora e agradável, e que com certeza me deixou com vontade de conhecer mais a fundo a obra de Oscar Wilde.