gleicepcouto 11/06/2014Olha, faz tempo que não fico apreensiva com uma leitura de terror. Sério mesmo. Considero um gênero muito difícil de ser trabalhado, pois se exagerar, vira comédia - o oposto do que quer qualquer escritor do gênero. O responsável por quebrar esse jejum foi Rick Yancey, um norte-americano que já lançou 13 obras (dentre elas A 5ª Onda, que vai virar filme). Foi com O Monstrologista (Farol Literário), entretanto, que o autor ganhou o prêmio Michael L. Printz de literatura infantojuvenil.
A verdade é que esse primeiro volume da série de mesmo nome é um livraço no sentido mais amplo da palavra. Enredo, narrativa e personagens muito, mas muito bons. Quando penso em algo que poderia ser melhorado no livro, nada me vem à mente. Ou seja.
Rick transpareceu ser um escritor maduro e bem consciente do que quer fazer com a sua história. Ao longo dela, percebemos uma determinação característica daqueles autores que sabem como ditar o ritmo de uma narrativa. O livro começa calmo, e a velocidade vai aumentando aos poucos, até que no final, você tá quase pedindo pelo amor de Deus para frear. Mas aí, já era: não dá pra parar. Você tem que (e quer) continuar para saber qual é o desfecho.
"Ficou quieto por um momento (...), observando os restos mortais à sua frente. Inclinou-se um pouco mais, quase a ponto de perder o equilíbrio , a fim de estudar o rosto da vítima - ou o que havia sobrado dela.
- É Stinner? - perguntou.
- Sim, é o reverendo - confirmou Morgan.
- E os outros? Onde está o resto da família?
- A esposa e a filha menor, Sarah, acho, estão na sala de visitas. O outro filho está no corredor. A quarta filha, em um dos quartos.
- E um dos filhos escapou. Falta um, portanto.
- Não, Warthrop. Ele está aqui.
- Onde?
- Por toda parte - respondeu o oficial, com a voz carregada de repulsa e pena.
E era verdade. O reverendo, cujo corpo permanecia mais ou menos intacto, chamara nossa atenção como centro do massacre, mas por toda a volta, como se atirados em uma centrifuga apavorante, havia fragmentos de carne humana sobre as paredes, o assoalho e até mesmo o teto acima de nós."
O autor também evidenciou um lado detalhista, preso ao pormenores, mas não de modo doentio. Ele sabe fazer a história andar com uma riqueza de descrições essenciais ao gênero. O motivo de seu êxito é porque ele sabe trabalhar com um vocabulário abundante, usando algumas palavras e expressões mais fortes como suas aliadas. Yancey não poupa os pormenores de uma cena com mortes e sangue e perseguição e coisas estranhas.
As personagens são fenomenais. A dinâmica de Henry com o dr. Warthrop é muito bem abordada em uma relação complexa que mistura solidão, cumplicidade, diferenças e - por incrível que pareça - amizade. Os diálogos entre os dois são loucos, mas com uma lucidez lá ao fundo, bem escondida. Na parte final do livro há um acréscimo de outro dr. que, nossa, genial. Deu o toque de humor negro ensandecido de que a obra precisava.
Ainda há espaço para alguns questionamentos, tais como; Quem é realmente o monstro? O homem também pode se assemelhar à criatura que chama de monstro? Como bem diz uma pergunta na quarta capa do livro: "É possível determinar o momento em que o homem perde a humanidade e se transforma no próprio monstro que ele persegue?"
O Monstrologista foi uma bela surpresa, que conseguiu resgatar o meu gosto pelo tema. É por causa dele que eu até cogito a ideia de que monstros existem. Vai saber. Os de Yancey, ao menos, são muto reais.
site:
http://murmuriospessoais.com/resenha-o-monstrologista-rick-yancey-farolliterario/