LeitorAnonimo 12/11/2017
Caro Michele
O livro é todo composto por cartas e pequenas situações entre os personagens, essas últimas sendo bem teatrais. Michele, que é quem dá título ao livro, nos é apresentado apenas por meio das cartas que escreve e por situações que acontecem a ele comentadas por outros personagens. O melhor personagem na minha opinião, a mãe, sempre escreve para Michele, mas Michele quase nunca escreve para ela. As cartas da mãe são as maiores, as mais descritivas, as mais melancólicas. Ela não conhece muito seu próprio filho, pois se separou do marido e ele ficou com Michele, mas admite isso e tenta conhecê-lo melhor, sendo ignorada. Mas em um trecho ela admite que acha que quando Michele escreve para sua irmã é como se ele estivesse escrevendo para ela. Interessante é ver sua estranha relação com o ex-marido, por meio das cartas, nas quais ela afirma que os dois iam para um café uma vez por mês para tentar conversar, mas era um momento estranho, os dois quase não se falavam. Seu marido, o pai de Michele, era figura excêntrica, com atitudes interessantes e até mesmo ranzinza. O livro dá a entender que a única pessoa de quem o pai gostava era Michele. Logo no começo do livro ele morre, e é mostrado a tristeza da mãe, que, mesmo não se dando muito bem com ele, se sente cada vez mais solitária, e uma certa indiferença por parte de Michele, que não vai ao enterro do pai. A própria mãe diz que o pai gostava do filho muito mais do que o filho gostava do pai. Dentre os outros personagens nós temos Osvaldo, amigo de Michele, que é separado da mulher e vai sempre ver a filha, e Mara, que acabou de ter um filho e não tem para onde ir, transitando de lugar em lugar durante o livro. Também temos as irmãs de Michele, Angelica, Viola, e as Gêmeas. O mais interessante para mim são as reflexões dos personagens nas cartas.
"Mando-lhe um abraço e votos de felicidade, admitindo que a felicidade exista, coisa que não deve ser de todo excluída, ainda que raramente vejamos traços dela no mundo que nos foi oferecido", mãe de Michele.
"Percebo que escrevi "nosso quarto", porque naquele quarto, por algum tempo, ele e eu fomos muito felizes. Se a felicidade existe, era aquilo. Só que durou pouco, Vê-se que a felicidade dura pouco. É o que todos sempre disseram", Mara.
"Explique à sua mulher que sou uma pessoa que tem a casa funcionando bem e o coração funcionando mal. Explique como eu sou, pois assim, quando me vir, poderá comparar a minha imagem verdadeira com as suas descrições. É um dos raros prazeres que a vida nos oferece, comparar as descrições alheias com as nossas fantasias e depois com a realidade", mãe de Michele.
"Mas cada um de nós é desorientado e tolo em algum lugar de si próprio e, às vezes, fortemente atraído pelo vagabundear e pelo respirar nada mais que a própria solidão, e então cada um de nós é capaz de se transferir para esse lugar para compreendê-la", Angelica.
"O que lhe acontece me é indiferente porque sou infeliz. O que acontece comigo lhe é indiferente porque você é feliz, De qualquer modo, hoje você e eu somos dois estranhos".
"Eu não me dou conta de querer a companhia dessas pessoas, porém, se não as vejo por alguns dias, sinto falta".
"Mas naquele dia eu estava contente, e todos os meus azedumes pareciam leves, doces, respiráveis".
"Pode parecer esquisito, mas nós nos apegamos aos menores e mais esquisitos desejos, quando na verdade não desejamos nada", (todos acima da mãe de Michele).
SPOILER
No final, Michele morre, e nós temos uma das melhores, senão a melhor carta do livro, de Osvaldo para Angelica, e a melhor frase do livro, que ficou ecoando na minha memória por muito tempo e ficará marcada lá para sempre, ou pelo menos por muito tempo:
"E muitas vezes pensei que, ao morrer, talvez ele tenha conhecido e percorrido num relance todos os caminhos da memória, e esse pensamento é para mim um consolo, porque nos consolamos com nada quando não temos mais nada, e até mesmo ter visto naquela cozinha aquela blusa esfarrapada que não recolhi foi para mim um estranho, gélido, desolado consolo".