z..... 28/05/2018
As viagens expedicionárias na Idade Moderna estão entre as grandes aventuras na História. O contexto expandiu os limites da ciência, da tecnologia e da geopolítica. Sejam desdobramentos positivos ou não, foram transformadores nos rumos da humanidade.
Nessa obra temos o relato sobre a expedição de Fernão de Magalhães, considerada pioneira na volta ao mundo, se estendendo entre 1519 e 1522, tendo como autor do relato o italiano Antônio Pigaffeta.
Contextualizando, foi patrocinada pelo reino espanhol em busca de rota alternativa para as Índias. O Cabo da Boa Esperança era conhecido, no sul da África, mas era local controlado pelos portugueses, adversários dos espanhóis no comércio marítimo. Fernão de Magalhães (português descontente com o governo de Portugal) foi estabelecido como chefe da expedição, que contava com cinco navios e 237 homens, em uma prospecção que seria em direção oposta ao Cabo da Boa Esperança.
A expedição saiu de Sevilha e foi caracterizada em quatro momentos.
O primeiro vai da partida de Sevilha até o descobrimento do Estreito de Magalhães na América do Sul.
O relato é rico em descrições da natureza, ainda que tenha erros ou exageros, citando-se as aves que atacavam outras no ar para se alimentar de suas fezes (os espanhóis não conheciam e não visualizavam direito a rapinagem para roubo de peixes); o voo dos peixes-voadores; os pinguins; as focas e leões-marinhos na Patagônia. Uma das espécies de pinguins leva hoje o nome de Magalhães.
A expedição passou pelo Brasil, chamado de 'Terra do Verzino' (em alusão ao pau-brasil). Pigaffeta descreve algumas espécies tropicais, com espanto ou erros (como a crendice de que alguns porcos selvagens tinham umbigo nas costas, em desconhecimento a questão de glândulas características) e também costumes dos povos nativos, onde o que mais impactava era a antropofagia. Particularmente, gostei da explicação que lhes foi passada pelos indígenas sobre a verdadeira origem da prática, que com o tempo misturou-se ao misticismo (mas essa história não vou revelar). Há também o relato de que viviam entre 125 a 140 anos (ponto descrito por outros navegantes) e para provar os nativos mostravam os avós, bisavós e tataravós ainda vivos (para espanto dos europeus).
A conquista mais importante do momento foi a descoberta do Estreito de Magalhães, dando nova alternativa na navegação oceânica, já que a América era praticamente um muro sem passagens para o outro lado.
O registro entre os patagões é também curioso, pois Pigaffeta os caracterizou como gigantes. As notas de edição dão conta de um proposital exagero, para conceber maior deslumbre prodigioso ao relato. Em verdade, os patagões eram altos, mas em torno de 1,90 m.
Outro aspecto importante nessa etapa é que alguns espanhóis tentaram usurpar a liderança de Fernão de Magalhães, sendo os cabeças mortos ou deixados entre os povos locais (pois tinham prestígio junto ao rei espanhol e Magalhães ficou receoso em puni-los com morte).
Um dos navios afundou ao bater em banco de recifes, como resultado do pioneirismo na navegação no lugar, mas todos se salvaram.
O segundo momento vai do Estreito de Magalhães até ilhas nas Filipinas.
Essa foi a primeira transposição do Oceano Pacífico e a viagem durou quase quatro meses. Um período árduo, de enfrentamento de fome, sede e escorbuto (situações que ceifaram a vida de vários marinheiros). O relato diz que bebiam apenas um pouco de água fétida e, na escassez de alimento, comiam couro fervido e os ratos do navio se tornaram iguarias vendidas em altos valores. Comeram também serragem fervida.
Após a travessia, o encontro com ilhéus, em histórias de estabelecimento de acordos ou confrontos. Registre-se que o navegador Fernão de Magalhães morreu em um desses enfrentamentos, nas Filipinas, e seu corpo não foi recuperado.
Os espanhóis ficaram espantados com o ouro ostentado pelos ilhéus, mas foram proibidos pelo novo capitão (Juan Sebastian Del Cano) de fazer trocas com objetos pessoais, para que não descobrissem o real valor do ouro para os europeus. Os navegantes buscavam acordos comerciais e também promoviam a catequização numa forma de ampliar o domínio espanhol através da religião.
Apesar de ter feito só a metade da viagem, a expedição ficou com o nome de Fernão de Magalhães como homenagem póstuma.
Nessa etapa há também um relato lendário, que deixo em registro por gostar desses estudos e ilustrar o misticismo decorrente da ignorância. Os ilhéus acreditavam que uma espécie de pássaro negro tinha a capacidade de matar as baleias, pois podia entrar na boca e ir direto ao coração, que devoravam causando a morte. Em verdade, a origem estava na observação de corvos que se alimentavam de restos mortais de baleias que iam parar nas praias. O desconhecimento e julgamentos aleatórios predispunham a mitologia.
A metade final da viagem, que corresponde a dois momentos no relato, entre 1521 e 1522, tem considerações nas mesmas características: registro de aspectos inusitados e alguns destaques de importância histórica para os navegantes. Não são detalhados e extensos como os primeiros, mas tem coisas curiosas e impactantes.
Diferenciando-os, o terceiro corresponde a expedições pelas ilhas Filipinas, Bornéu, Molucas e outras regiões. O quarto é o regresso para a Espanha, passando pelo Cabo da Boa Esperança no contorno da África.
Entre os registros, o encontro com povos que ostentavam muito ouro e outros que viviam em estágio de desenvolvimento mais simples, tendo práticas de antropofagia. Os expedicionários fizeram acordos e também tiveram batalhas acirradas.
O Islamismo era uma religião já estabelecida entre muitos e, entre as curiosidades: o registro de uma ilha exclusiva de mulheres (que matavam homens que se aproximavam, eliminavam os meninos que nasciam e diziam ficar grávidas pelo vento - Hunrrum! sei, sei...); em certos reinos havia harém que o rei mantinha obrigando as famílias a sempre enviarem uma ou duas meninas; tinha rei também que antes de ir para a guerra se entregava ao homossexualismo com algum servo (as notas dizem que o imperador Cesar praticava também com Nicomedes - Vichi! Alvenaria cheia de massa!); e havia costume, entre certos povos, das esposas se atirarem na fogueira de cremação do falecido esposo, junto com eles, ou seria tida como desonesta e de má fama (lembrei que Marco Polo descreveu isso nos seus relatos por volta de mil trezentos e sei lá, e Júlio Verne, no 'Volta ao Mundo...' introduz Auda, a amada de Philleas Fogg, em salvamento dessa prática - quem sabe Verne não buscou inspiração nestes livros...). A obra de Pigaffeta é referenciada como uma das preferidas e de destaque ao escritor Gabriel Garcia Marquez.
Nos registros finais, o regresso, que também teve dificuldades trágicas. Para se ter ideia, a esquadra saiu da Espanha com cinco navios e 237 homens. Quando iniciaram a etapa final havia apenas um navio, sessenta homens e entre os mortos estava Fernão de Magalhães. E quando chegaram na Espanha, havia apenas dezoito sobreviventes.
Foi uma volta difícil. Após contornar o cabo da Boa Esperança passaram fome, ocorreram mais mortes e, numa estratégia final de sobrevivência, tiveram que aportar em Cabo Verde (controlado pelos adversários portugueses), onde ocultaram a viagem, revelando que vinham da América, se perdendo da esquadra original, onde estava o capitão, já em regresso, no que foram atendidos com mantimentos em comércio comum.
Quase mortos pela exaustiva viagem de três anos (1519 a 1522), chegaram na Espanha. Interessante que não voltaram carregados de tesouros, mas com o importante relato de Pigaffeta (que presenteou o rei) e a primeira circunavegação (ou circum-navegação) na Terra. Algo mais valoroso, que os marcou na história.
Gostei imensamente do livro. Um registro que curto ler, me fazendo viajar em devaneios e inspiração ao denodo e determinação.