O corpo como capital

O corpo como capital Mirian Goldenberg




Resenhas - O corpo como capital


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Samyle 11/07/2018

"Vivemos, então, um equilíbrio de antagonismos: um dos momentos de maior independência e liberdade femininas é também aquele em que um alto grau de controle em relação ao corpo se impõe à mulher brasileira" Pg 90
O corpo como capital se propõe a discutir a relação do brasileiro e da brasileira com o corpo, partindo-se do próprio espanto da organizadora (Mirian Goldenberg) com os resultados de uma pesquisa realizada, em que o corpo aparece como destaque, como objeto de desejo/atração para homens e mulheres, bem como "um valor", um capital, situação bem diversa dos resultados das mesmas perguntas feitas às alemãs.

Capital, é válido lembrar, "estrutura as fundações da vida social e dita as posições dos sujeitos nessa ordem social, ou seja, quanto mais capital alguém possuir, mais poder esse alguém terá e ocupará uma posição privilegiada" (fonte http://colunastortas.com.br/pierre-bourdieu-uma-introducao/). Bourdieu discorre sobre algumas espécies, tais como capital econômico, físico, cultural, social, etc. Nesse sentido, como a própria organizadora explica:

"Acredito que, na cultura brasileira, determinado modelo de corpo é uma riqueza, talvez uma das mais desejadas pelos indivíduos das camadas médias urbanas e também das camadas mais pobres, que percebem seu corpo como um importante veículo de ascensão social. Nesse sentido, além de um capital físico, o corpo é, também, um capital simbólico, um capital econômico e um capital social" Pg. 9.

O livro parte de uma proposta bem inovadora, mas tem altos e baixos. Embora hajam artigos verdadeiramente muito bons, alguns poderiam facilmente ser suprimidos, pois não acrescentam grande coisa ao tema.

O livro poderia ter se aprofundado mais em algumas questões, como o envelhecimento, a relação com a moda, consumismo ou até certas preferências nacionais (como pelas nádegas, coisa que descobri recentemente ser um objeto de estudo rs'). Ao invés disso, artigos como sobre patricinhas (que poderia, de fato, ser interessantíssimo, mas não foi bem assim) ou sobre a praia de Ipanema tiveram lugar nesta coletânea.

Pode-se dizer que faltou uma maior pertinência temática (por mais interessante e importante que seja a história da praia de Ipanema, a proposta do livro é a relação com o corpo), como também um melhor desenvolvimento do tema, que justifique a sua inclusão na coletânea (caso do artigo sobre patricinhas, cujo enfoque se deu na conceituação).

Após essa decepção inicial, tive uma grata surpresa: os demais artigos são realmente mindblowing. Gostei especialmente de um sobre salão de dança, que comprova a importância de um olhar mais aguçado do pesquisador, de sair do lugar comum e demonstrar que um tema que, aparentemente, não teria tanta relevância, fala muito sobre a nossa sociedade. O trecho abaixo é um ótimo exemplo disso:

"Por que hoje, quando começa a se valorizar um outro tipo de relacionamento mais igualitário, essas pessoas buscam uma dança baseada nesse tipo de diferença entre papéis femininos e masculinos? Por que as mulheres que no dia a dia são independentes querem participar de uma dança na qual dependem de um homem para convidá-las e comandá-las?" Pg. 166.

Outros artigos interessantíssimos são sobre a prática de swing entre casais, tatuagem de amor e fazendo gênero na escola. A leitura vale muito a pena por causa deles. O trabalho de pesquisa de campo, aliado ao conhecimento teórico tão bem explicado pelos respectivos autores (tornando a leitura acessível para curiosos como eu), foi exemplar.

Em suma, apesar da minha decepção inicial e da falta de abordagem de alguns temas bem pertinentes, indico muito a leitura. No todo, o livro cumpriu o que se propôs, trazendo perspectivas bem inovadoras.

Alguns trechos que destaquei durante a leitura:

"Surge, então, uma hipótese: quanto mais a realidade dos relacionamentos atuais é a não permanência, mais surge o seu contraponto: a necessidade de permanência (ou de sua ilusão) por meio da tatuagem de amor". Pg. 126.

"O autor acreditava que a dominação masculina, que constitui as mulheres como objetos simbólicos, tem por efeito colocá-las em permanente estado de insegurança corporal, ou melhor, de dependência simbólica: elas existem primeiro pelo, e para, o olhar dos outros, como objetos receptivos, atraentes, disponíveis. Delas se espera que sejam femininas, ou seja, sorridentes, simpáticas, atenciosas, submissas, discretas, contidas ou até mesmo apagadas. Neste caso, ser magra contribui para esta concepção de "ser mulher". Sob o olhar dos outros, as mulheres se veem obrigadas a experimentar constantemente a distância entre o corpo real, a que estão presas, e o corpo ideal, o qual procuram infatigavelmente alcançar". Pg. 49.
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