Sô 11/02/2020Se você se interessou por esse livro porque adora histórias de terror, já adianto que a probabilidade de se decepcionar é bem grande. O lado sombrio existe sim, mas aparece esporadicamente, sendo quase um elemento secundário. Como não era isso que eu estava esperando, não só adorei a leitura como me surpreendi.
A história é narrada por Faraday, um médico de origem humilde que tem sua vida entrelaçada com as dos Ayres, família aristocrática inglesa, que após a Segunda Guerra Mundial se vê em decadência. Hundreds Hall, a mansão em que vivem, deixou seus dias de glória para trás e agora está arruinada. Se não bastasse infiltração, teto desmoronando e parede descascando, algo sobrenatural parece ter tomado conta da casa.
A escrita é tão maravilhosa que não me importei com o lento desenrolar da história. E vai ficando mais e mais interessante conforme coisas esquisitas vão acontecendo dentro da mansão. Ao contrário do que parecia, não é uma simples história de fantasmas. Aqui, ela trabalha com a ideia da força do nosso inconsciente. Raiva, inveja, ressentimento, tudo isso se desprende de nós e toma vida própria. Ou não. O livro traz isso tudo de forma sutil e ambígua. Uma hora a gente acha que realmente existe essa força do inconsciente, outra hora a gente acha que os moradores é que estão malucos.
Como a graça é interpretar à sua maneira, aqui vai a minha: eu acredito na versão da força maligna do inconsciente. E quem representa tudo isso na história? Faraday!
A autora transformou o ressentimento dele em algo mais, em algo sobrenatural. Faraday sempre teve obsessão por Hundreds Hall, a cena inicial que abre o livro, dele roubando um pedaço da mansão quando criança, é a prova disso. Ele menciona várias vezes seu passado humilde e a vergonha que sentia dos pais. Mesmo agora, um médico formado, ainda não era aceito pela classe alta que tanto desejava fazer parte.
A sua obsessão por Hundreds Hall vai exterminando os Ayres um a um, sendo a última vítima a mais impactante. Não tenho dúvidas de que o “você” que a Caroline exclama antes de ser jogada da escada era para ele. É só no finalzinho também que a gente vai entender o título: Little Stranger é ninguém menos que o próprio Faraday.
Leitura fantástica!