JoaoPedroRoriz 02/12/2014
Tia Ana me lançou aos quatro ventos!
Parece estupidez criticar obra de 1993. Estupidez é pensar que tempo é medida preponderante para um novo olhar. Olhar velho! Ainda estamos em plena crise. Não vê? Ademais, o que é mesmo Internet? Ainda não sei. Mas ela sabia. Nossa como sabia! Ana Maria Machado engoliu Mcluhan e agora ganha a alcunha de a mais nova (e sensata) profeta da era digital. Sua obra "aos quatro ventos" explica o que vai acontecer com o mercado editorial quando "essa coisa de usar computador" se tornar ainda mais popular. Esse romance contemporâneo (sim, afinal sou de 1982), relançado em 2014 pela Alfaguara, escrito em meados de ontem, é receita para pastel. Um pastel fino, delicado, para ser beliscado ao longo de dois dias de delícias. Como descrever tal aventura? Ana Maria tem o segredo. A história de Guto e sua nova obsessão por beija-flores esconde a paixão pela literatura, capaz de atrapalhar o casamento e levar sua esposa a pensar em tristes consequências. Mas, calma rapaz... a obra é leve, é marota, tem o ritmo do Rio de Janeiro e, como um bom guia turístico, expõe além das belas paisagens, a subjetividade de quem ali vive. Um jeito manso e despretensioso de contar uma bela história. Professora, Ana Maria Machado dá lições para jovens interessados por literatura. Ali ela amedronta os parentes dos iniciados no processo secretamente maçônico, obsessivo e íntimo de escrita e avisa que esses são peças raras, heróis solitários, peças de xadrez capazes de capturar o rei a qualquer momento mesmo com as passadas lentas de um reles peão. Eu agradeço, Ana Maria, por defender nossa classe. Estávamos precisando disso. Seu pastel, Ana é fino. Deu para perceber que esticou a massa até onde dava. Ela está no limite de romper a paciência, quando, de repente, vem uma onda meio diferente no final e estoura o leitor de curiosidade com um de seus surpreendentes mistérios – um caixote “sinistro” na beira da praia. Um caixote parecido com aqueles que faziam a gente virar do avesso na escola quando, muito sorrateiramente, a tia Ana Maria Machado, ludibriava com falsos rococós literários o professor Bustica empacotado no paletó para, secretamente, nos arrematar com o dó maior de seus assassinatos e de suas terríveis conspirações! Dá-lhe Ana! Obrigado! Agora estou grande, Tia Ana. E você me esperou crescer para me dar esse livro. Na verdade eu comprei a versão de 2008 da Nova Fronteira por R$ 10,00 num sebo da rua lá perto de casa, no mesmo Aterro que você remenda em seu livro. Junto com ele, Alice e Ulisses, também de sua autoria. Eu li Alice e Ulisses diante de uma taça de vinho no Alcaparras na Praia do Flamengo, aos olhares incrédulos dos garçons. Duas horas depois, a sua novela estava no papo. Esse "aos quatro ventos" eu guardei para mais tarde. E aqui estou eu, anos depois, num final-de-semana para lá de brejeiro, numa Chácara do interior do Rio Grande do Sul, casado, embebedando-me da maioridade de suas palavras, enquanto em algum lugar de meu coração, eu sei que você, Ana Maria, também me espia, através da mesma Lua, flor de todos nós, beija-flores telúricos! Durma bem, anjo. Durma bem!
________________
João Pedro Roriz é escritor e jornalista. Todos os direitos do texto reservados ao autor.
site: www.joaopedrororiz.com.br