spoiler visualizarAlisson.Santos 24/05/2024
"Diante desta noite carregada de sinais e de estrelas eu me abria pela primeira vez à terna indiferença do mundo"
Esta é a segunda vez que leio "O Estrangeiro" de Albert Camus, na época da primeira leitura eu devia ter uns 15 anos e lembro de achar fascinante o modo como a história era contada, principalmente no seu desfecho. Na primeira leitura, gostei de perceber como Meursault é uma pessoa completamente indiferente as convenções humanas, e parece seguir a vida como se nada realmente importasse muito, e isso não representa nem um niilismo profundo e nem mesmo uma paz ingênua, é simplesmente o que é. Gostei muito de como isso foi contrastado na narrativa, através de seu julgamento e condenação, onde ele não é julgado somente pelo seu crime, mas pelo modo como vivia. O que impressiona nessa nova leitura é ver como o conceito de "Absurdo" de Camus se apresenta de forma mais clara. É justamente aqui, mais perto do que nunca do absurdo que é continuar vivendo, quando se sabe que se vai morrer, que Meursault se vê mais livre. É aqui que ele recusa a religião, recusa as falsas promessas de esperança, recusa os arrependimentos do que já fez e se vê livre. Mas é também aqui que ele sente medo, sente falta e sente vontade de fugir, de ir além, mesmo que agora pareça impossível. É curioso como ele se adapta até a prisão, e consegue tirar até dali momentos de pequeno prazer, justamente pelo reconhecimento de seu inevitável fim. É também aqui que ele ama, mesmo sem dar esse nome, uma mulher que nunca mais irá encontrar, e que nunca conseguiu amar antes de ser preso. Acho que só agora consigo compreender o que Camus dizia de absurdo, e de como, no final das contas, Meursault é o maior representante do ser humano do século XX, não por ser diferente daqueles que o condenavam a morte, mas justamente por ser exatamente igual a todos eles, amante da vida e temente a morte, tendo como única vantagem o fato de conseguir aproveitar o mínimo de vida que é oferecido a ele a cada momento, sem se arrepender de nada, e sem se prender a nada, sempre disposto a viver o que for possível no presente. No final das contas, Meursault viveu de forma autêntica, e também foi morto por isso. Ele conseguiu ser mais livre do que aqueles que o condenaram, justamente por entender como todo aquele processo acabava sendo tão indiferente quanto ele chorar pela própria mãe sem o desejo de fazer isso. Ele realmente via as coisas como elas eram, uma constante aproximação da morte, que só poderia ser defendida com a valorização da vida, e não a recusa do destino inevitável. É preciso abraçar o absurdo para viver de verdade.