Memorial do Convento

Memorial do Convento José Saramago




Resenhas - Memorial do Convento


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Clio0 01/06/2022

Memorial do Convento é uma alegoria para a História de Portugal.

Saramago entremeia duas construções - a do Convento que nomeia o livro e a uma "máquina voadora" - em que ambas, a instituição e a quimera são formações comuns na literatura portuguesa, onde encontramos isso em clássicos como A Ilustre Casa de Ramires e o tão nosso conhecido Os Lusíadas. Pois, é disso que a história trata, a construção do Estado e senso de aventura lusitano.

Saramago utiliza personagens básicos para a narração, mas esses não devem ser confundidos com simples. Sete-Luas e Sete-Sóis representam o estereótipo de seu povo que não fica tão distante assim ao do povo brasileiro: o interesse pelo novo, o misticismo exagerado, o respeito distraído, a desobediência justificada, são todas peculiaridades que permeiam a caracterização de obras latinas.

A forma que a história é descrita também lembra um pouco do realismo fantástico que foi tão bem escrito por Garcia Marques, ainda capitaneado por Vargas Llosa - e que tem seus próprios representantes brazucas, como Adriano Suassuna.

O estilo do autor pode ser um pouco intimidante para leitores novatos a primeira vista. Não há parágrafos, capítulos ou travessões. Ao invés de tornar a experiência cansativa, ela promove o inverso, sua leitura se torna fluída, dinâmica.

Recomendo.
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Vênus_Alice 29/06/2023

Memorial do convento
Que livro! Essa história tem uma narrativa um tanto quanto diferente dos outros livros do Saramago, eu adorei.
Uma alegoria da história de Portugal, pontuando sua influência sobre o Brasil, assim como a África e a Índia.
Mescla a história da corte, com trabalhadores comuns.

Aqui há tanta crítica social, algumas descaradas e outras numa nuance de sutileza e muito bem feitas, achei incrível o humor e a troca de clima, o livro me fez rir, ficar com raiva, agoniada, triste....
Vale muito a pena a experiência.
Josiane.Lopes 29/06/2023minha estante
Quero muito ler!!!


Vênus_Alice 29/06/2023minha estante
gostei demais, acho que vale a pena!




Andreia Santana 24/07/2010

O amor nos tempos de Saramago
Memorial do Convento, de José Saramago, me lembra Cem Anos de Solidão (Gabriel Garcia Marques). Não porque as histórias sejam parecidas. Muito menos pelo estilo dos dois autores, que são bem diferentes (ambos inimitáveis e maravilhosos). Mas apenas por lançar mão de recursos narrativos que remetem ao Dom Quixote de Cervantes. Comparo os três livros porque leio Memorial como uma fabulosa novela de cavalaria ambientada no Portugal do século XVIII, com sua fé católica fanática (Inquisição) tão sangrenta quanto as touradas nas ruas de Lisboa, no período.

Cem Anos de Solidão, apenas para esclarecer a comparação, seria uma novela de cavalaria (ou uma epopéia quixotesca) que a partir da saga de uma família (os Buendía) reproduz a história colombiana, e por tabela, a latino-americana, de fortes laços com a Península Ibérica (Portugal-Espanha) de Saramago.

Pego emprestado, porém, o nome de outra obra de GGM (O Amor nos Tempos do Cólera) para titular essa tentativa de resenha para Memorial do Convento. Pois para mim, trata-se de uma história de amor, que pensando bem, me remete a outro autor, desta vez brasileiro, Ariano Suassuna (O auto da compadecida, Romance da Pedra do Reino), assumidamente um Quixote da cultura popular nordestina.

A saga de Balthasar Mateus Sete Sóis e de Blimunda Sete Luas, sua inquietante companheira, figura, ao menos para mim, como um dos romances mais bem construídos, delicados e comoventes da literatura. A presença do padre Bartolomeu de Gusmão (figura real da história, com origem no recôncavo baiano), como coadjuvante dessa aventura de um homem e uma mulher em suas andanças pelo mundo, torna o livro uma das obras-primas não do autor português, porque dele é difícil enumerar as obras-primas, todas merecem o título, mas da literatura contemporânea. Sem dúvida, para habitar ao lado de Dom Quixote no panteão dos clássicos inesquecíveis.

Memorial do Convento tem alicerces em fatos reais, mas fala dos impossíveis sonhos humanos. A construção do faraônico convento de Mafra a mando de D. João, o quinto de seu nome na linha sucessória, e as experiências igualmente reais com a passarola (máquina de voar), construída pelo padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, o Ícaro do Recôncavo, são a metáfora do autor para o seu tema favorito: o ser humano e suas paixões, motivações, medos...

O visionário religioso, que questiona Deus e a fé ao mesmo tempo em que repele a ignorância, quer alcançar o céu com um objeto mais pesado que o ar em pleno século XVIII. Enquanto o rei almeja cair nas boas graças divinas (e com isso conseguir um herdeiro), por meio de um templo grandioso, erguido a custa do sangue de milhares de trabalhadores. E aqui, o lado politizado do autor interpõem-se ao romântico (à moda de Quixote) novelista.

Balthasar e Blimunda, convertidos em ajudantes na construção da passarola e em operário (ele) na obra do convento, habitam esse mundo arcaico (o Portugal das procissões, autos de fé e penitências), mas com idéias e visões de um mundo futuro que a principio parece irreal (onde homens voadores são capazes de competir com Deus na criação). Inocentes, os dois são como anjos sem asas, ou como deveriam ter sido o Adão e Eva do começo dos tempos, sem a culpa do pecado original.

Na base dos sonhos de grandeza do padre e do rei, ou dos sonhos de amor dos sempre leais Balthasar e Blimunda, gravita toda uma arraia miúda que nas obras de Saramago assume a cena como protagonista. A capacidade do autor de dar voz a personagens simples, tornando a rudeza do homem do campo em poesia, é proporcional à sua capacidade de criar diálogos filosóficos de grande profundidade e beleza.

Só um autor como José Saramago consegue a proeza de tornar o rei em coadjuvante da história de amor entre uma mulher capaz de enxergar as pessoas por dentro e um soldado maneta em busca de apaziguar o coração cansado de guerra.

O Portugal barroco, a obra do convento de Mafra, a vida indolente da corte, e a loucura (genialidade?!) de Bartolomeu de Gusmão são o cenário do grande palco da vida onde o casal protagonista passeia e encena seu drama. Memorial do Convento me lembra um cordel, consigo até ouvir a voz cadenciada de um cordelista contando a história do amor da encantadora feiticeira de Lisboa com o soldado de Mafra. Daí a referência a Suassuna.

A cumplicidade entre Balthasar e Blimunda, como homem e mulher e como seres humanos, é uma utopia só possível nos livros. Mas, uma vez chegando ao final da obra, fica uma esperança mínima, lá no fundo da alma (ou da vontade humana, como bem nomeia o padre Bartolomeu) de que todas as histórias de amor sejam eternas não como a de Romeu e Julieta, mas como essa do sol e da lua.
Mag 24/07/2010minha estante
Excelente sua resenha!Adorei a referência a Ariano Suassuna!Não li o livro, mas entendo claramente o que você quis dizer.


Carla Macedo 02/09/2010minha estante
Violet sua resenha está ótima! O que dizer mais? Só recomendar que leiam! Não irão se arrender!


Andreia Santana 02/09/2010minha estante
Obrigada, Mag e Carla :)


Guilherme 28/02/2011minha estante
Sua resenha me intriga. MUito boa. Quero fazer uma igual e imprimirei seu texto para estudá-lo.


Andreia Santana 28/02/2011minha estante
Obrigada pelo interesse, Guilherme. Boa sorte com as futuras resenhas. Abs!


Renata 18/12/2014minha estante
Depois de ler a sua resenha, é impossível não querer ler o livro.
Já estou apaixonada por ele, principalmente pela sua interpretação.


Paulinho 17/04/2015minha estante
Maravilhoso seu texto. Você realizou uma leitura muito interessante!


Alex 15/07/2015minha estante
Sua resenha está quase tão boa quanto o próprio livro. Se eu nunca tivesse lido Memorial do Convento, que é um dos meus favoritos, com certeza o procuraria imediatamente. Quando vejo resenhas como a sua, eu lembro porque nunca resenhei nenhum livro. Não tenho essa capacidade de esmiuçar e extrair ideias e fazer analogias tão boas. Parabéns! O livro é realmente espetacular e seu texto também.


arlete.augusto.1 09/01/2021minha estante
Maravilhosa sua resenha, impecável na descrição dessa grande obra de Saramago (uma entre tantas escritas por ele, concordo com vc)


Andreia Santana 09/01/2021minha estante
Obrigada, Arlete?


Katia.Borges 28/02/2022minha estante
Maravilhosa...já 3stou com o livro em mãos.


Andreia Santana 28/02/2022minha estante
Espero que goste, Kátia




Lista de Livros 23/12/2013

Lista de Livros: Memorial do Convento, de José Saramago
“Porque, enfim, podemos fugir de tudo, não de nós próprios.”
*
“Há aqui mais quem esteja dormindo, por essa razão não poderia falar, mas, se acordado estivesse, talvez lho não consentissem, porque só tem doze anos, pode a verdade estar na boca das crianças, mas para a dizerem têm de crescer primeiro, e então passam a mentir.”
*
“Tudo no mundo está dando respostas, o que demora é o tempo das perguntas.”
*
Mais em:

site: https://listadelivros-doney.blogspot.com.br/2009/04/memorial-do-convento-jose-saramago.html
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Evy 19/12/2021

"quanto basta para que o mundo se torne suportável"?
Seria muito difícil dar menos de cinco estrelas para esta obra de Saramago, ainda mais com aquele final estarrecedor. Este autor é realmente genial. Já tinha lido esse livro em 2011 e tive a oportunidade de relê-lo este ano em LC com amigos.

A obra está dividida em duas histórias que vão sendo apresentadas paralelamente: a de Portugal através da construção do Convento de Mafra por D. João V, promessa feita a um padre franciscano para que a rainha engravidasse e lhe desse um herdeiro, e a de Baltazar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas, envolvidos na construção de uma "máquina de fazer voar" projetada pelo Padre Bartolomeu Dias.

Saramago traz diferentes formas para abordar esss histórias, sendo bastante irônico ao narrar os hábitos da realeza e o poder exercido pela igreja sobre o povo oprimido e mais sonhador nos capítulos em que narra Blimunda e Baltazar. Saramago une a ficção e o fantástico aos fatos históricos reais da época, como os Autos de Fé, as procissões de penitentes e a própria construção do Convento de Mafra envolvendo o sacrifício da população pobre e fazendo muitas vítimas no carregamento da grande pedra para o pórtico, um episódio muito marcante na obra.

O livro percorre um período de quase 30 anos na história de Portugal na época da Inquisição e todo o cenário é ricamente descrito por Saramago que além de contar os fatos históricos, reconstitui a vivência popular e a cultura das regiões. Confesso que achei essa parte um pouco mais cansativa, embora interessante.

Me encantei mesmo foi com Blimunda e seus poderes especiais de ver as pessoas por dentro quando está em jejum, se tornando desta forma, a responsável por captar as vontades das pessoas que são recolhidas e servem de combustível para a Passarola e Baltazar, soldado expulso do exército por perder a mão esquerda na guerra, e que apesar de sonhar constantemente que ainda a tem, é determinado e destemido. A história dos dois é muito bonita, um amor fora de todos os códigos e regras sociais da época, e com um final estarrecedor.

"Todo o lugar da terra é antecâmara do inferno, umas vezes vai-se morto a ele, outras vai-se vivo e a morte é depois que vem, Por enquanto estamos vivos, Amanhã estaremos mortos".

Leitura super recomendada!
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13marcioricardo 08/04/2023

Sete Luas, Sete Sóis, um Rei e muitos Cristãos..
É a terceira obra do autor que leio, sendo que esta é uma das principais, se não mesmo a principal. A conclusão que chego é que Saramago continua sendo Saramago.

Momentos brilhantes, muitos, e momentos chatos, também. Mas percebe-se bem o por quê de ter ganho o nobel. Vale a pena ler.
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Juliana JRS 11/03/2021

Esse livro fez eu me questionar se realmente fui alfabetizada, haha. Pensa numa leitura complicada... várias palavrinhas desconhecidas por mim. Apesar disso (ou por isso) vale a pena a leitura e o desafio.
Interessante ver a história protagonizada por aqueles de quem pouco se fala.
Recomendo para quem já gosta do autor; como primeira experiência com esse estilo de escrita acho que existem outras obras mais fáceis de serem lidas.
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Juliana 07/01/2023

A mais linda história de amor
Meu quarto do livro do Saramago, mas confesso que achei o mais difícil deles. O início não fluía, desisti duas vezes, mas lendo as resenhas insisti e não me arrependi.
Da página 200 em diante ele me envolveu totalmente e apesar do livro ser uma crítica à coroa portuguesa e ao Clero, a história de amor fala mais alto. E fica a incógnita no final, lindo e triste .
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Brenda 26/05/2022

Ai ai, Dor... consegue distinguir?
Esse livro terminou com um dos finais mais marcantes que eu já li. Chorei, claro! A qualquer pessoa que estiver lendo esse post, por favor, dê uma chance pra esse livro.

Baltasar e Blimunda, pessoas comuns, e é por meio de suas histórias que Saramago tece a história de um dos maiores feitos de Portugal: a construção do convento de Malta.
Júnior 29/05/2022minha estante
Está na minha lista de próximas leituras. Com esse comentário teu, acredito que anteciparei essa obra de Saramago.




Eva 06/09/2021

Romance histórico que tem como pano de fundo início do século XVIII, mais precisamente 1717, quando se inicia a construção do Palácio Nacional de Mafra, obra monumental prometida pelo Rei de Portugal, Dom João V a padres franciscanos.
Saramago utiliza o fato histórico e personagens reais, como o Rei, a Rainha, o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão e o músico italiano Domênico Scarlatti, junto com personagens fictícios para dar nome e vida as pessoas comuns que não aparecem nos livros de História e que ajudaram a construí-la. Dentre esses personagens está Baltasar Sete-Sóis e sua companheira Blimunda de Jesus (Sete-Luas).

O romance é narrado em terceira pessoa, e como não poderia deixar de ser em um livro de Saramago, o narrador é crítico, irônico não poupando a Igreja e a monarquia de comentários ácidos. E nos conduz pela história pra nos mostrar as crueldades cometidas aos trabalhadores na construção do Convento e que em dado momento são forçados a deixar suas cidades e famílias para serem praticamente escravizados na construção. Muitos deles perderam a vida e não voltaram pra suas casas.
Nessa época também havia a Inquisição que também vai determinar o destino de alguns personagens.

Os personagens mais marcantes sem dúvida são o padre Bartolomeu Lourenço, Baltasar e Blimunda, como não se apegar a eles e não torcer por cada um.
No núcleo desses personagens Saramago põe uma ponta de realismo mágico na história, através de Blimunda e dos sonhos do padre Bartolomeu, o Voador, como ficou conhecido na vida real e que traz para a história sua imaginação para realizar um de seus feitos a construção da Passarola, sim, o romance vai retratar duas construções, uma histórica que custou vidas e muita riqueza vinda das colônias portuguesas, principalmente o ouro e diamantes do Brasil, e a outra movida vontades sendo construida pelo sonho e esperança de seu idealizador e seus fiéis amigos.

Durante a leitura é fácil se perder na narração nada simplória de Saramago. A leitura me exigiu muita atenção em alguns capítulos. Particularmente, os melhores capítulos foram os que estavam envolvidos algum dos três personagens (Baltasar, Blimunda e o padre).
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Thales 14/02/2021

O memorial não é só do convento, é de Portugal inteiro
(Contém pequenas revelações do enredo. Não chegam a ser spoilers, mas há quem prefira não saber)

"Memorial do convento" é a odisseia portuguesa por excelência. Pelas bandas de lá o livro é considerado não só a magnum opus do Saramago como um definidor da cultura do país. A Folha de São Paulo o elenca entre os cem maiores romances do século XX. Provavelmente foi o maior responsável pelo nobel que o portuga recebeu nos anos 90, o único até hoje da língua portuguesa, essa língua tão subestimada em termos literários ao redor do globo. Tá ruim?

E como toda boa odisseia, essa aqui tem lá suas questões. Mas vamo por partes.

Os principais protagonistas são Baltasar Sete-Sóis e Blimunda de Jesus, mais tarde batizada Sete-Luas. Ele um zé bunda que perdeu a mão esquerda na guerra e usa ora um gancho ora algo como um estilete no lugar, ela uma mística que em jejum pode ver o que está escondido tanto fisicamente como no íntimo das pessoas. Ambos se conhecem no julgamento que condenou ao exílio por bruxaria a mãe de Blimunda, após a jovem receber um sinal meio etéreo. No mesmo dia ela o acolheu em sua casa, ele foi batizado com o sangue dela - if you know what i mean - e a partir disso nunca mais se separaram.

Quando do encontro, Blimunda estava acompanhada de um amigo da família, padre Bartolomeu Lourenço (figura histórica, realmente existiu), religioso nascido no Brasil fascinado pelo campo das invenções. Dotado de uma certa paranoia para com o Santo Ofício, mantém em segredo a engenhoca de sua vida: a passarola, instrumento em forma de ave gigante que por uma engenhosa e mística engrenagem poderia voar.

Engenhoca que era veladamente patrocinada pelo rei de Portugal, D. João V, que no seu delírio de grandeza enxergava na passarola uma grande oportunidade para conquistar objetivos e entrar pra história. Dotado de uma megalomania e nenhum senso de realidade, ele é enrolado por um bispo quando promete construir um convento gigantesco em Mafra caso, a partir da bênção do religioso, sua mulher consiga engravidar. Como o bispo de bobo não tinha nada, já sabia que a rainha estava grávida de antemão.

E é em torno tanto do convento como da passarola que essas histórias principais se sobrepõem. Temos então uma trama enrolada, que dura um longo período de tempo, cheia de drama, críticas e reviravoltas, além de cenas chocantes.

E o grande x da questão de "Memorial" é que mesmo que a narrativa siga direitinho a linha temporal, ela é contada de forma nadica ordeira. Saramago não só flutua entre os "núcleos" como "pausa" para fazer várias digressões, acompanhar acontecimentos paralelos, causos do folclore português e etc.. Além disso ele exagera na escrita profundamente subjetiva e as vezes poética. Trocando em miúdos: ele não conta a história; ele pincela situações, divaga, vai descrevendo as paisagens e as movimentações, reflete sobre a confusa formação da nação portuguesa, navega pelas contradições de seus personagens... e assim todo esse fio vai sendo puxado. Por isso, ao mesmo tempo em que ele demonstra um domínio exuberante da língua e das técnicas narrativas - e, gente, é coisa de louco a proeza desse homem - ele torna a leitura extremamente arrastada.

Daí ou você é um monge tibetano e consegue manter um foco extremo por um bom tempo ou só realiza que vai entender no máximo 70% da coisa toda e segue a vida. Se não a leitura simplesmente não flui.

Mas afinal, como eu já disse, quando lemos "Memorial do convento" estamos diante de uma odisseia. E odisseia é isso, é desafiadora, é truculenta, é irregular, tem momentos de glória e momentos de desespero. E esse é o mix de sentimenos que a obra desperta em nós. Quando concluímos sua leitura temos aquela bela sensação de "ufa, que desafio, mas superei!". É muito recompensador.

Cenas como a morte do trabalhador no carregamento do pedregulho, a breguíssima e rocambolesca procissão de Corpus Christi ou o primeiro vôo da passarola são daquelas que vão marcar nossa vida pra sempre. É o tipo de lembrança pela qual vale cada dor de cabeça pra concluir o livro, sabe?

E o final... eletrizante, conturbado, de partir o coração. O último capítulo é completamente dilacerante, ele encerra perfeitamente o ciclo iniciado no dia em que o casal se encontrou, mas de uma forma bem saramaguiana. Que mulherão é Blimunda, namoral!

Em suma, "Memorial do Convento" é uma ficção histórica das mais geniais já escritas, e como toda obra desse quilate exige muito, mas muito mesmo, do leitor. Exige paciência, muita atenção, e até um certo nível de domínio da língua e de cultura popular. Acredito que um leitor jovem e/ou inexperiente teria muita dificuldade. Mas obviamente não posso deixar de recomendar, Saramago é daqueles autores de quem temos que ler até os rabiscos em guardanapo.

Para finalizar, acho importante registrar porque não dei cinco estrelas para o livro. Primeiro pelo fato já destacado de ser uma leitura arrastada; eu consigo reconhecer sua qualidade ao mesmo tempo que critico o quão desnecessariamente prolixo e confuso Saramago foi. Segundo que a edição é bem pobre, e isso me decepcionou. Ótima revisão - o mínimo em se tratando de um texto originalmente já em português -, mas não tem uma nota de rodapé, introdução, posfácio, nada. Como que me editam uma obra dessa envergadura, que trata de vários temas complexos, e o treco vem com zero fortuna crítica? Vacilo da Companhia das Letras.
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Camila 09/10/2022

Ahh! Li este monumental livro ontem, e pela primeira vez chorei com um livro, não que eu tenha ficado tão surpresa, ja que ele já vinha me ?Avisando? o que poderia acontecer conforme a leitura fluia. São várias as passagens que embrulham o nosso estômago, fazendo até parecer que identificamos nossa vontade dentro da barriga. Até que cheguei ao trecho final, e quando fechei o livro simplesmente chorei, chorei, chorei.
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@ALeituradeHoje 21/04/2022

Perfeito
Saramago nunca erra. Terminei o livro aos prantos e sempre que leio ele penso que o homem que coloca em palavras tudo que ele coloca (sentimento, pensamento, sonho...) não devia ser desse mundo.
Eu fiquei em choque.
Sofri horrores. Mas sofri amando intensamente.
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regifreitas 11/11/2020

MEMORIAL DO CONVENTO (1982), de José Saramago.

Esta foi a obra que despertou meu fascínio pela literatura de José Saramago, muito embora não tenha sido minha primeira leitura desse autor. Antes desta, tinha ocorrido uma tentativa com O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO, mas houve um estranhamento muito grande do jovem leitor de então com a forma do texto saramaguiano - os longos parágrafos, a pontuação inusitada, as extensas digressões, acabaram provocando o abandono da leitura. Pouco tempo depois, já na faculdade, na cadeira de Literatura Portuguesa, o MEMORIAL constava na ementa das leituras para aquele ano. E qual não foi a surpresa: superada a dificuldade das primeiras páginas, o texto fluiu sem entraves, e toda uma nova visão, uma nova forma de narrar e de construir mundos ficcionais se abriu diante dos meus olhos. Desde então, Saramago está entre os meus autores favoritos.

Assim, o MEMORIAL passou a ocupar um lugar afetivo dentro das obras que formaram meu gosto literário. Tanto que sempre tive receio de retornar a ela e de o impacto inicial não se repetir, ou de chegar à conclusão que o livro não era tão bom como eu recordava, como já aconteceu com várias outras releituras desse tipo.

Vinte anos se passaram e, ao regressar para o Portugal do século XVIII, de Baltazar e Blimunda, bem como do padre Bartolomeu Lourenço e tantos outros personagens marcantes, constato que o efeito realmente já não é mais o mesmo. Mas também comprovo que este se trata de um clássico, definido aos moldes de Italo Calvino: “Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. Alguns dos trechos sublinhados no passado já não têm o mesmo peso, entretanto, descubro passagens surpreendentes que àquela primeira leitura me passaram em branco. A obra é a mesma, o leitor presente, não - e seria estranho se assim fosse.

Continua sendo um trabalho magnífico, embora em outros termos. Termino feliz, sabendo que o livro continua a dialogar comigo e a ocupar o lugar que sempre ocupou entre as obras literárias importantes da minha vida.
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Vilaça 25/04/2021

Muito bom!
Eu comecei por este livro porque era obrigatório para uma disciplina para a escola, e acabou por se tornar uma leitura incrível.
Ao início e um pouco difícil compreender a escrita de Saramago, mas a partir do momento em que o conseguimos fazer, a leitura é uma delícia.
Com as descrições no ponto certo, personagens bem criadas e histórias que se entrelaçam por todos os lados, este livro sem dúvida que me marcou.
Aconselho sem dúvida a leitura, de um livro tão marcante na literatura portuguesa, e tão bonito.
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