Maria Gabriela 11/10/2021
A vida é como um tabuleiro de xadres
"A vida é como um jogo de xadrez: devemos estar sempre prontos para ganhar ou perder; o importante é tentar". Com esta frase, Fabiane Ribeiro nos presenteia com uma obra literária envolvente e dramática, partindo do verdadeiro terror que ameaça o mundo. Não são fantasmas ou monstros, mas a cruel realidade. O ano é 1947, vemos a Europa ser devastada pela Segunda Guerra Mundial e suas terríveis consequências. A pequena Anny, com seus sete anos de idade, tem a vida perfeita e pacífica: mora com os pais, as duas pessoas que mais ama neste mundo, em uma casa majestosa e confortável, rodeada de presentes, boa comida e conforto. Entretanto, o primeiro drama a ser apresentado é a ausência dos pais que devido ao trabalho misterioso que têm não são muito presentes e apenas podem ver e conviver com a filha aos sábados.
E tudo apenas é alimentado com a notícia de que seus pais precisarão passar um ano longe da filha e esta deverá ficar aos cuidados dos vizinhos durante este meio tempo. É visível que a notícia abala a menina mais do que esperado, mas meu amado pai lhe presenteia com um jogo de xadrez requintado e promete ensiná-la a jogar quando retornar em segurança para casa e para ela. Fabiane é delicada em nos apresentar a dualidade dos pais, uma vez que o pai ama e idolatra a pequena criança como se fosse seu oxigênio enquanto a mãe parece apenas aguentá-la e aceitar que aquele era um fruto seu. Munida apenas por uma pequena leva de roupas, sua ovelha de pelúcia e seu tabuleiro de xadrez, Anny é levada para a casa da sra. Jane, sua professora particular, e seu marido Hermes, e ao contrário do que seus pais haviam lhe prometido, a vida de Anny torna-se um verdadeiro inferno.
A autora não poupa detalhes e páginas para mostrar como seus novos tutores não a toleram e a tratam como um problema. A sra. Jane e seu marido apenas eram brevemente cordiais com Anny por causa da presença de seus pais, mas agora sem eles, não há mais máscaras a se pôr: a garota é encarregada de limpar a casa diariamente e comportar-se como um verdadeiro fantasma (quanto menos o casal lembra de sua existência, mais felizes eles ficam). Há um momento horrendo em que, movida pela fome graças aos poucos cuidados, a garota pega um pacote de bolachas e come, deixando cair algumas migalhas no chão; quando a malvada Jane descobre, não há nada que salve Anny de sua ira.
As únicas coisas que mantém Anny sã e esperançosa são reavivar o jardim há muito abandonado, a companhia de seu tabuleiro de xadrez, seus próprios sonhos felizes e olhar sua casa ao longe; entretanto, um jovem na faixa dos vinte anos chamado Pepeu aparece em sua vida e torna-se amigo de Anny. Pepeu é o personagem que precisávamos para aliviar a tensão sufocante de abusos e maltrato que acompanhamos desde a mudança repentina da pequena garota: é ele o responsável a ensiná-la sobre o mundo e a viver momentos emocionantes sem sair dos canteiros do jardim. É, sem dúvidas, o melhor dos personagens apresentados que ajudam Anny a passar por todas as infelicidades da vida e chateia-me ver que o final que tomou foi misterioso e infeliz, de partir o coração. Ele era o anjo de Anny, e vê-lo partir foi doloroso.
"Jogando xadrez com os anjos" é um livro diferente de tudo o que já li: é intenso e de uma sensibilidade muito grande, apresentando um terror mundano que é a realidade e como devemos enfrentá-la de cabeça erguida. É recheado de momentos angustiantes e que dão esperança ao leitor quando uma pequena fagulha de felicidade acende. É uma obra que aprisiona o leitor de forma que poucas conseguem, principalmente por se tratar de um assunto tão profundo como a amizade e o amor verdadeiro, reforçando de forma simples que as pessoas que te amam estarão sempre ao seu lado em todos os momentos da sua vida, te ajudando e apoiando quando você mais precisar. Pode não ser fisicamente, mas emocionalmente a força e o amor dessas pessoas irá lhe amparar em muitos momentos, assim como ampararam Anny e a ajudaram a crescer e amar a vida tão intensamente.