Cesinha 12/06/2022
Contardo clínico e professor
Os seminários transcritos e revisados neste livro versam sobre a abordagem lacaniana das psicoses, com especial atenção à categoria lacaniana de crise psicótica, que separa sujeitos estruturados em psicose antes da crise desencadeada e sujeitos estruturados em psicose desencadeada por uma crise. É essencial aqui a tríade Real-Simbólico-Imaginário pois a estrutura está na ordem simbólica enquanto a crise se enxerga nos seus efeitos imaginários.
A foraclusão do significante Nome-do-Pai é uma questão preliminar a todo tratamento da psicose pois na neurose há o recalque do significante Nome-do-Pai através da castração, enquanto na psicose isso não acontece, se joga fora (foraclui) este significante. É uma categoria negativa à neurose, o que de maneira alguma fala que a psicose é o negativo da neurose, pois não há castração aqui, como na neurose, mas sim uma categoria negativa: a primeira forma de compreender a psicose seria diferenciá-la da neurose e da perversão pela não-castração.
A estruturação do sujeito (barrado pela castração na neurose, ou não, na psicose) é a obtenção de algum estatuto simbólico, alguma significação, para que o sujeito seja algo distinto do Real do gozo.
É uma defesa contra ser objeto de uma demanda imaginária do Outro, contra se perder como objeto do gozo do Outro. Quando a significação prevalece sobre a demanda imaginária, há sujeito.
A aposta neurótica é que haja "ao menos um" que saiba lidar com a Demanda do Outro. Então, o saber vai ter um sujeito suposto, e a problemática de defesa vai se jogar na relação de dívida deste sujeito com o "ao menos um" que sabe.
Já o psicótico não tem esta barreira, e se enreda no círculo infernal da Demanda do Outro. É uma errância. Não há sujeito suposto saber no psicótico.
O que faz o saber inconsciente de um sujeito não pode ser calculado a partir da singularidade dos membros da sua família. É algo que só pode ser calculado no discurso. A presença efetiva dos membros da família geralmente produz como efeito um aumento das resistências do analista, porque ele vai acreditar num cálculo possível do saber inconsciente do sujeito a partir da singularidade dos desejos inconscientes dos membros da família. O que é decisivo para o sujeito não são as relações intersubjetivas, mas sim os cálculos discursivos nos quais significantes se organizam sem respeitar o jogo das intenções ou mesmo dos desejos singulares dos falantes. É muito impactante ler tão explicitamente como a abordagem lacaniana não trata do romance familiar, mas sim da constituição do sujeito estruturalmente.
O interesse do conceito lacaniano do Outro é chamar a atenção sobre o fato de que a determinação de um sujeito se decide no campo da linguagem e segundo cálculos que não coincidem com laços intersubjetivos. É por isso que a psicanálise não permite uma prevenção. Por patógenas que nos apareçam algumas situações familiares, não é possível deduzir, destas situações, coisa alguma sobre o destino do sujeito.