Feliky 21/09/2023
Uma surpresa (muito positiva!)
Parte dos motivos que pelo quais alguns livros são considerados clássicos é que eles são atemporais. Disso eu sabia, mas eu não tinha realmente sentido isso em outros clássicos que já cheguei a ler. Esse aqui não, esse aqui me fez perceber isso. É um livro de antes de Cristo, mas ainda assim é tão cativante e envolvente e certos temas me parecem tão atuais.
Admito que me surpreendeu quando eu li. Embora eu sempre tenha gostado de mitologia grega e os personagens da Guerra de Troia tenham parecido interessante, tudo isso foi por meio de outras fontes (ver vídeos sobre, ler por aí na net). Por se tratar um poema épico com uma escrita diferente da que estou habituada, pensei que seria um daqueles casos em que eu não me apegaria muito a ninguém, o que atrapalharia a leitura. Engano meu! Os personagens ainda são interessantes e, na realidade, é mais fácil me importar com eles lendo A Ilíada que ouvindo alguém falar o que aconteceu nela. Na realidade, ler me permitiu tirar minhas próprias interpretações sobre cada personagem. Claro, provavelmente no meio acadêmico deve haver características deles que são mais consensos que outras (embora ainda não algo batido o martelo, já que A Ilíada é mesmo um texto muito antigo para ficar inferindo absolutamente tudo e toda intenção com certeza), mas tive minhas próprias visões lendo e fazia um tempo que eu não lia algo que me desse tão claramente essa sensação. Me fez pensar em quão mais interessante deve ser em grego então, já que infelizmente é inevitável que certas características sejam perdidas quando passadas para outras línguas (por ex, a primeira palavra no texto grego ser justamente o "raiva"/"cólera"/"fúria" e isso na realidade fazer muito sentido, mas se perder frequentemente em traduções de outras línguas em que às vezes a colocação dessa palavra como a primeira pode deixar o texto com um aspecto meio estranho. Se não me engano, ainda tem uma edição em português que manteve isso, mas não vou lembrar de cabeça)
Peguei a edição da Companhia Penguin que vem na Caixa Homero porque, nas pesquisas que fiz, a maioria recomendava ela para uma primeira leitura (quem sabe futuramente eu vá em outra edição menos "facilitada", mas até então sem planos). E de fato, eu particulamente considerei a tradução do Frederico Lourenço de fácil compreensão e fluida (tem alguns cantos ainda lentos, mas acredito que esses em específico devem naturalmente ser mais lentos que o resto em praticamente qualquer tradução que se pegue). Umas palavras desconhecidas aqui e acolá, mas nada de OH MEU DEUS TEREI QUE LER COM UM DICIONÁRIO NA MÃO, coisa simples. Cerca das 100 páginas iniciais são mais explicações, contextualizações, apresentação de personagens, mapas, etc e eu gostei bastante disso! Eu diria que uma das vantagens de ser um livro clássico é o estudo que geralmente se tem por trás dele. Ler a respeito das teorias de Homero ser vários escritores ou um, em que ano A Ilíada surgiu, a tradição oral, os tipos de comparações usadas, etc foi tudo muito interessante. No final também há um pequeno glossário explicando algumas práticas (por ex, o preço do morto) e páginas mostrando temas de cada personagem com pontos de referência (por ex, em tal página é dito fulano e cicrano têm bom relacionamento e isso importa pro personagem. Lá vai ter fulano e cicrano tem bom relacionamento canto tal, página tal, etc), o que eu achei muito bom também. A parte triste é que a capa é mole e a lombada inevitavelmente fica amassada enquanto você vai lendo porque são simplesmente muitas páginas.
Diferente do que se pode pensar, A Ilíada está longe de abordar a Guerra de Troia por inteiro. Ela não mostra nem o começo (na realidade, começa no último ano do conflito, que é o décimo) nem o final (por ex, sabemos que Aquiles morreu na Guerra de Troia e sabemos do Cavalo de Troia, mas não chegamos nessa parte aqui. Mas ainda há algumas alusões ao que acontecerá), o que pode deixar alguns frustrados. Eu particulamente não achei isso tão ruim. Claro, se Homero lá atrás tivesse decidido contar do primeiro ano até o final e essa história tivesse conseguido chegar até nós e estivesse disponível para eu ler, eu com certeza não ia reclamar! É realmente interessante pensar o que aconteceu nos próximos anos e o final da história também. No entanto, não é nada que prejudique a experiência de leitura em si ao ponto de parecer, por exemplo, um texto muito aberto. A Ilíada não me pareceu se propor a contar a Guerra de Troia em si, e sim uma faceta dela e essa faceta contou bem, então por que me frustrar?
Só não dou cinco estrelas porque tem uns Cantos que são disparados mais maçantes que outros (o que torna a leitura uma tarefa meio chata por vezes), mas ainda não acho que, no total, foi o suficiente para tirar uma estrela inteira. Claro, há MUITA repetição, mas o próprio livro esclarece isso nas citadas 100 páginas iniciais (tem a ver com ser de tradição oral), então também não é por si só ponto negativo e, em dados momentos, ficou mais engraçado do que irritante. Então a nota é 4.5.