spoiler visualizar_eurobeitinhuuu_ 21/01/2024
O que falar desses belos 15.693 versos?
No poema épico Ilíada é contada a história do embate entre gregos e troianos nos últimos anos da guerra de Troia, da autoria do existencialmente duvidoso Homero.
Por mais q toda a construção da narrativa homérica, envolvendo liricidade, descrições e musicalidade, além do magnífico enredo já fosse motivo suficiente para a consagração do esplendor da obra, anos de separação não impediram que diversos paralelos fossem traçados entre os anos passados e os anos de hoje a respeito dos questionamentos de caráter moral contidos no livro e que, por conseguinte, a obra se elevasse ainda mais em sua graciosidade.
Em relação a isso, grande parte da análise concentra-se nos embates de esfera emocional e psicológica dos principais personagens da epopeia:
Aquiles é o herói absoluto (ao menos oq tudo indica inicialmente). Trata-se de um semideus completamente imbatível e dotado de uma coragem sem precedentes, sendo não só o mais vigoroso soldado do exército grego, como de toda a Guerra de Troia. Suas referenciações na história são sempre tidas com um ar de superioridade e glória, apenas favorecendo a construção de sua figura divina. No entanto, toda a sua excelência cai por terra quando analisado o fato de que o conflito absolutamente sangrento e trágico narrado na obra se deu unicamente por conta do orgulho imensurável de Aquiles.
Após ser desconsiderado por Agamemnom, o soberano dos homens, Aquiles encontra-se totalmente cego pelo ódio proveniente de sua honra fragilizada e, dessa forma, pede indiretamente a Zeus que dê início à guerra com o único intuito de voltar a ser devidamente respeitado por seu superior (somente quando os gregos estivessem sendo dizimados pelos troianos, Agamemnom se tocaria verdadeiramente da excelência de Aquiles). Os acontecimentos que sucedem são os mais desastrosos possíveis, como é de se esperar, como por exemplo a morte de seu fiel companheiro, Pátroclo.
Quando é chegada a seus ouvidos essa informação, sua cólera se potencializa no desejo irremediável de vingança, culminando na morte do virtuoso soldado Heitor e no descobrimento de que seu próprio fim também não estava muito distante (apesar de não chegarmos a observar o momento da flechada em seu calcanhar no livro).Sendo assim, o desenvolvimento do personagem Aquiles confirma a miséria de uma vida condenada à observação e ao julgamento dos fatos a seu redor feitos puramente pelo coração.
Uma figura fadada à glória que encontra sua infeliz e sombria derrocada no mau gerenciamento de sua razão e na estima elevada de sua honra.
Justamente o fato de sua pessoa ser sempre creditada como perfeita e imaculada sentencia seu destino, visto que uma existência isenta de falhas condenáveis e regada por renome garante uma dificuldade em evoluir e em reconhecer seus pontos fracos (a mitologia grega conta q Tétis, sua mãe, carregava uma profecia de que aquele que com ela gerasse uma criança, daria origem a um ser de maior grandeza do que o pai). Aquiles cego demais pela sua superioridade e pelo seu orgulho não foi capaz de reconhecer sua falhas no âmbito emocional. A partir daí, estando confuso demais quanto a isso, a solução que achou para tratar dos infortúnios de sua vida foi a teimosia e a revolta, visto que a incompreensão de que os ocorridos trágicos em sua jornada foram produtos de seu comportamento desacertado faz com que Aquiles trate-os como injustiças injustificáveis, acreditando que possam ser apenas "resolvidas" com proporcional punição. (Inclusive as últimas palavras de Heitor são exatamente: "reflete bem agora para que eu para ti não me torne maldição dos deuses", mostrando de uma forma bem interessante como os questionamentos morais do livro altamente atrelados ao aspecto mitológico são transmitidos na obra, isto é, como a forma de explicar que o sentimento da "culpa" seria algo relacionado a uma intervenção dos deuses provavelmente era tido como considerável na antiguidade; é uma forma diferente de enxergar como uma tradição moral é repassada em lugares e tempos diferentes dos nossos na atualidade).
Dessa forma, cantou a cólera de Aquiles, e seu sofrimento e morte foram decretados.
O paralelo do "herói" pode ser facilmente observado no tempo presente, onde constantemente sofremos com as consequências de n reconhecermos nossos defeitos e n sermos capazes de tirar proveito de nossos erros. A partir disso, a observação introspectiva dos dramas do Aquiles deixa de ser meramente uma forma de entretenimento para se tornar um objeto de estudo, visando nosso engrandecimento íntegro.
Dessa maneira, a leitura de Ilíada e a análise da figura de Aquiles deve ser feita com atenção por estes.
Ademais, um preceito aristotélico a respeito do atingimento da felicidade plena pode ser enxergado nos dramas de Ilíada.
(Inclusive Aristóteles era fã dos livros de Homero e não duvido que ele tenha desenvolvido muito de seus conceitos a partir da leitura dessas histórias).
Basicamente, Aristóteles dizia que a eudaimonia (felicidade) era atingida a partir do momento em que existia a justa medida das ações.
Isso é observado quando nota-se que por mais que Aquiles fosse o mais corajoso dos soldados, ele não obteu êxito em viver virtuosamente, já que os excessos e carências não é o que procuramos quando queremos alcançar o estado de eudaimonia, mas sim a justa medida.
Já Heitor por exemplo é um dos soldados mais corajosos de todos no livro, mas até mesmo ELE possui suas ocasiões de amedrontamento (como quando avista Aquiles pela primeira vez). Ademais, Heitor reconhece seus momentos de fraqueza e insensatez (como quando propõe planejamentos de guerra irracionais) e usa disso para fortalecer os seus.
Dessa forma, confirma-se que Heitor era o mais virtuoso dos troianos e gregos, fazendo merecer que o desfecho final da história fosse destinado ao seu enterro.
Diga-se de passagem, apesar de ser compartilhada por muitos a insatisfação com a morte de Heitor ao final do livro (sendo ele o mais iluminado e, por conta disso, mais "merecedor" da vitória), Homero tomar a decisão de matá-lo foi um dos elementos mais importantes para o julgamento da obra em sua completude.
A mensagem é clara: ele mata Heitor para q tornemos nossos olhos para a figura de Aquiles.
Afinal, não podemos nos esquecer de atentar às personalidades que não seguem a moralidade à risca, pois é exatamente na figura desses que encontram-se vestígios de nós mesmos.
Apenas sob esse preceito, conseguimos balancear plenamente nossas imperfeições e aquilo que almejamos alcançar, nos tornando seres mais virtuosos e satisfeitos.
Querendo ou não, esse é o papel da literatura. É pra isso q continuamos aqui, lendo.
E além disso, há muitos q podem falar: "ah, mas o sofrimento de Aquiles é exatamente o msm de Heitor, visto que ambos sofrem perdas de msm peso, como pessoas amadas e até a própria vida, ent como seriam relevantes os ensinamentos do livro já que os dois lados saem perdendo, independente da virtuosidade ou não?".
A questão é q, pelo lado de Heitor, suas perdas, ao fim, possuíram finalidades; enquanto q as de Aquiles foram verdadeiros castigos.
Veja bem, qnd Aquiles pede a Zeus q permita q Pátroclo volte vivo da refrega (batalha), Zeus n permite, almejando q assim o Pelida fosse reconhecer q seu caráter negacionista quanto às suas fraquezas não só deu origem à morte de milhares de soldados como também de seu melhor amigo, assim podendo encontrar progresso na dor. No entanto, isso n ocorre, e Aquiles é sentenciado com sua morte. E certamente a sua própria morte é uma metáfora relacionada à tudo isso, até pq a flecha lhe atinge em um lugar imprevisível, inesperado; uma morte q representa toda a miséria q lhe foi deixada por n ser capaz de julgar corretamente suas imperfeições.
Já a morte de Heitor é totalmente diferente. Umas de suas últimas palavras foram exatamente: "Que eu não morra de forma passiva e inglória, mas por ter feito algo de grandioso, para que os vindouros de mim ouçam falar!". E foi exatamente oq se sucedeu: sua trajetória de vida foi levada como exemplo para todos os leitores, sendo esta marcada pela defesa de sua cidade e de sua família, diferente da mera defesa de sua honra, como é o caso de Aquiles (até mesmo a vingança é uma extensão do orgulho, dado q se dá por uma questão de dignidade).
Falando agr de outros personagens, a persona de Diomedes também é outra que possui um desenrolar interessante.
De início, Agamemnom chama a sua atenção quanto a seu pai, que foi um grande combatente e que, por dever, deveria ter dado origem a um filho tão glorioso quanto. Com fé nos deuses e considerando o puxão de orelha de Agamemnom como uma forma de incentivar a sua coragem, ele parte para a refrega sem medo de seus deveres, encarando-os de frente, como uma oportunidade de evoluir e de garantir o auxílio aos seus companheiros, enquanto Aquiles estava ausente. E é exatamente oq acontece: Diomedes simplesmente mete a porrada em soldados muito respeitados como Enéas e Pândaro, além de DEUSES como Apolo, Afrodite e Ares (certamente com o auxílio da deusa Atenas).
Sua figura pode ser enxergada como uma fonte de inspiração a todos que possuem medo de defrontar seus assustadores deveres, sendo este um medo irracional e que retarda não apenas o seu desenvolvimento como pessoa mas também a vida daqueles que poderiam estar sendo auxiliados por você.
Enfim, com ctz existem mais zilhares de outros aspectos muito notáveis e pertinentes tratados nesse livro q ainda estão para ser descobertos em releituras futuras, mas, por enquanto, fica registrado q é uma leitura q garante um abalo tremendo, um enriquecimento considerável de vocabulário e permite, ao msm tempo, o reconhecimento daquilo q existe de mais baixo e de mais altivo na natureza humana, concedendo uma expansão do nosso horizonte de consciência a respeito do q existe dentro e fora de nós.
É um livro totalmente brilhante, lindo, sublime, visceral, comovente e fascinante. Por mais q seja relativamente complicado de se adaptar à leitura e à quatidade de informações, é bem difícil q alguém saia dessa história sem as expectativas atingidas e superadas. Baita livro pra começar o ano e somente o tempo dirá se se tornará um favorito da vida.
E já me foi informado q Odisséia é ainda melhor, fato esse q me move a n querer lê-los em seguida, dado q o peso da escolha de ler os dois seria muito exagerado e um tempo para digestão e preparação é de extrema importância ?