Isadora 28/01/2018
Um mergulho nos medos
Após 20 anos sem receber notícias do ex-marido, Susan recebe o manuscrito do romance escrito por ele. Sem muitas explicações, Edward pede que ela o leia, justificando que Susan sempre foi a melhor crítica. Ao conhecer a obra intitulada “Animais Noturnos”, Susan embarca em uma história de tragédia e vingança. Durante a leitura, ela revive o passado e lembra de emoções guardadas que não desejava rever.
É isso mesmo: há um livro dentro de um outro livro. Austin Wright nos presenteia com essa bela visita aos sentimentos obscuros que revelam a linha tênue entre o amor e o ódio. O livro do ex-marido de Susan narra a triste trajetória de Tony Hastings, professor de uma universidade que conhece o pior pesadelo em certa noite numa estrada, a caminho do local onde passaria as férias com a esposa e a filha.
Em “Tony & Susan”, o leitor acompanha a leitura feita por Susan de “Animais Noturnos”. Entre os capítulos, é contada aos poucos a história conturbada de Susan, Edward e Arnold – segundo e atual marido da protagonista. Ao avançar nos caminhos perigosos de Tony – protagonista do livro de Edward – Susan revê os próprios sentimentos.
“Tony e Susan” é uma obra instigante e apavorante, que desperta angústia e medo em Susan e no leitor desacostumado com histórias assim. Wright acerta na trama que se desenrola a partir da leitura de uma outra obra: é interessante compartilhar emoções com Susan e até mesmo discordar das interpretações – muito humanas – da protagonista.
“Animais Noturnos”, portanto, é um livro para leitores de estômagos fortes. Apesar da história de Susan e Edward ser comum, a de Tony é regada de violência e anarquia. Um dos pontos fortes de “Tony & Susan” é a tentativa de Susan de descobrir em quem o ex-marido se tornou e se, de alguma forma, a construção do personagem Tony e a trajetória dele têm algo a ver com ela ou com o que ela causou a Edward no passado.
"De novo Susan descobre em sua mente a varanda cercada por uma tela, a varanda da casa no Maine, a trilha e a escadinha de pedra perto do abrigo onde ficava a canoa, o pequeno cais com um resplendor de espelho à tarde, visto entre árvores. Morrendo, como sua mãe e seu pai. Como Bobby Andes. Como seu ciúme. Como a escrita de Edward. Como este livro". *Tony & Susan, p. 304
Mesmo sem Edward, em si, aparecer no enredo, é possível conhecer a personalidade do ex-marido de Susan a partir das lembranças dela. Se o autor de “Animais Noturnos” tivesse aparecido durante a leitura, talvez a obra perdesse essa impessoalidade que possui, afetando assim a crítica da protagonista e do próprio leitor.
A história em “Tony & Susan” é contada em terceira pessoa, por um narrador onisciente. A trama é pouco fluida: é preciso esforço para relacionar e, ao mesmo tempo, separar as histórias dentro da obra. A relação temporal do livro é truncada, já que a narrativa se passa no presente, mas visita o passado para revelar traços dos relacionamentos de Susan.
Esse livro de Austin Wright tem uma divisão incomum. Ele é dividido em “antes” e “depois”, três sessões de leituras e dois interlúdios. Os capítulos estão colocados dentro dessas divisões.
Austin Wright nasceu no estado de New York, em 1922. Apesar de ter se formado em geologia, ele foi mestre e Ph.D em literatura pela Universidade de Chicago. Se aposentou em 1993, após lecionar literatura por 23 anos na Universidade de Cincinnati. Além de “Tony & Susan”, ele escreveu outros seis romances e outras obras de não ficção. Wright morreu em 2003, com 80 anos.
Certamente, “Tony & Susan” é uma obra que agradará vários públicos, principalmente os amantes de romances urbanos ou naturalistas. A obra, sobretudo, reflete sobre as dificuldades e angústias de escritores. Para os leitores que gostam de um desafio, essa obra deve preencher o tempo livre de uma forma agradável.
Além de conferir a obra original, o leitor pode conhecer a adaptação para o cinema: intitulado "Animais Noturnos", o filme foi lançado em 2016 e tem como protagonistas Amy Adams e Jake Gyllenhaal, como Susan e Tony, respectivamente.
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