Lopes 17/07/2018
| A sedutora intermitência |
Escrever sobre "O arco e a lira", de Octavio Paz, é ser redundante, é caminhar perigosamente pela vida ou pela alta voltagem quando andamos pela via poética. Aliás, não existe tal via. Tudo é o nada poético, e, portanto o é. Da vida sobra a morte, e desta algo brota mais periclitante que sua ordem, a permanência de olhos bem abertos. Paz soube atingir o ápice do que é poesia quando enxergou, e nos mostrou, qual seu inenarrável princípio e seu cúmulo tardio. Entrar nestes ensaios que compõe tal obra magnânima não é investigar e conhecer a poesia, é sentir o pulso da existência, do acordar e sonhar, sem interrupções. Esta obra é um grito alertando o que somos, de onde evaporamos e para que morremos. O arco e a lira nos contamina de nós mesmos. É o se deparar com o reflexo de nossos espelhos pela única via permeável: o desencontro da prosa, a harmonia no caos, a religião solitária de vínculos dos objetos e deuses, que mesmos com significados e nomes, berram por novos substantivos clareados. A vida é possível quando encontramos esse diálogo poético. Retirar a prosa e evitar o abandono da linguagem trás aos ouvidos luzes escuras, aos olhos melodiosos e a pele um subterfúgio das novidades de outrora que são únicas, aqui e hoje. Este estudo poético nada mais é que o estudo sobre a humanidade, sobre a habitação que cansa de viver mas não de tudo nomear, desde os sentidos aos mirabolantes vazios. Somos esses espectros de significados que a todo instante arde para se reconhecer. Muros que lamentam por uma poesia sem padrão, uma poesia única, individual, formosa. O que fazes quando o dia cai dentro destes arcos e liras? Octavio Paz responde com a nossa própria alma em um pequeno documento. Deixar nossas almas nestas páginas talvez seja o melhor caminho para existirmos hoje. Uma ode à poesia e a insistência do desejo de ser livre dentro da linguagem que nos cede vida, desejo e o mais difícil, o afago entre um espírito compulsivo e o fim.