Ana Luiza 31/07/2014
Jeitinho brasileiro
Amâncio é um jovem maranhense de família muito rica que deixa a terra natal para estudar medicina no Rio de Janeiro imperial. Entretanto, o provinciano mimado pela mãe e acostumado com vida abastada, apenas se interessa verdadeiramente pela vida social – e claro, pelas mulheres – da Corte. Depois de tanto tempo ouvindo histórias sobre as maravilhas do Rio, tudo que Amâncio quer é viver aventuras, aproveitar a noite e a juventude e encontrar mulheres belas e sedutoras como as heroínas de seus livros favoritos.
Entretanto, uma as primeiras pessoas que Amâncio encontra no Rio é Campos, um comerciante rico amigo da família que oferece sua casa para o garoto. Assim, Amâncio deixa o hotel onde estava hospedado e vai viver com a família de Campos. Apesar de ser muito bem recebido pelo comerciante, a mulher dele, Hortênsia, demonstra certo receio com a presença do estudante, o que acaba deixando-o atraído por ela.
Certo dia, Amâncio encontra um colega do Maranhão, Paiva Rocha, e vai almoçar com o mesmo. No caminho, eles encontram outros dois amigos de Rocha que se juntam a eles. No almoço, regado a muito vinho e comida cara, Amâncio expressa o quanto está descontente em morar com Campos, o que restringe muito a sua liberdade. João Coqueiro, um dos amigos de Paiva, percebendo diante de si a oportunidade única de enganar um jovem rico, convida Amâncio para visitar a sua casa, uma das mais famosas e respeitadas Casa de Pensão do Rio de Janeiro. Com muito pouco trabalho, Coqueiro consegue persuadir o jovem a morar ali, onde, com ajuda da mulher, ele fará de tudo para casar Amâncio com sua irmã, Amélia, que não é inocente quanto ao plano de seu irmão.
Entretanto, Coqueiro e Amélia não contavam com Hortênsia e Lúcia. A primeira mantém Amâncio apaixonado com seu comportamento inconstante, que jamais deixa claro se ela corresponde ou não os sentimentos do jovem. Já a segunda é uma moradora da Pensão, que logo percebe em Amâncio um modo de livrar-se da vida pobre que leva ao lado do marido preguiçoso. Com três mulheres completamente diferentes ocupando seus pensamentos e sonhos, Amâncio acaba tornando mais fácil sua entrada para um mundo de sedução, mentiras e falsas aparências, onde todos são movidos apenas por interesses fúteis e ambições egoístas. Mas será que mesmo cercado por tantas pessoas de índole duvidosa Amâncio continuará sendo um inocente estudante ou ele mesmo aprenderá também a adentrar em caminhos perversos?
“Casa de pensão” é um clássico da literatura brasileira e que, honestamente, só li por causa do vestibular. Entretanto, acabei gostando da obra muito mais do que jamais imaginaria. Apesar do início lento, “Casa de pensão” não demorou a me conquistar graças a sua trama simples, mas muito bem amarrada e desenvolvida, e da sua narrativa em terceira pessoa fácil e fluída. Apesar de extremamente detalhista, o que em alguns momentos incomoda – como quando, por exemplo, o autor narra a vida inteira de um personagem secundário - a escrita de Aluísio Azevedo não é complicada como a de outros escritores da época, na verdade, é muito parecida com a escrita de autores contemporâneos.
Os personagens de “Casa de pensão” são todos bem construídos, com personalidade e história própria, além de papel na trama. Mas o que mais gostei é que são bem reais, todos passíveis de corrupção e muito influenciados pelo meio. A malandragem, malícia e esperteza de todos eles os tornam representações perfeitas do conhecido “jeitinho brasileiro”. No início, não gostei muito de Amâncio, afinal ele é o típico filhinho da mamãe que só quer saber de curtir a vida. Entretanto, conforme os outros personagens começam a abusar da ingenuidade do garoto acabei simpatizando com ele, sentimento que ia e vinha durante o livro. Com os outros personagens foi a mesma coisa, é impossível gostar ou odiar completamente cada um deles e terminei o livro bastante dividida.
“Casa de pensão” foi uma boa surpresa, uma viagem ao Brasil do Século XIX e uma crítica ao modo de vida da época, o que não deixa de tornar a obra bem atual. Com personagens de ações e índoles questionáveis vivendo em uma sociedade de aparências e de interesses, o autor obriga o leitor a encarar certas verdades sobre o caráter humano, ou a falta dele. Aluísio nos faz refletir o quanto somos influenciados pelo meio em que vivemos e como o desejo por algo pode nos levar a finais trágicos.
A leitura de “Casa de pensão” me recordou bastante das obras de Jane Austen, que com uma história envolvente e aparentemente boba é capaz de criticar a fundo aspectos perversos da nossa sociedade, apesar de que Aluísio é muito mais explícito e quase que cruel em seus julgamentos. Recomendo o livro a todos, afinal é um clássico da nossa literatura e merece ser mais do que “um livro que a escola me obrigou a ler”.
Quanto a edição do livro, tenho apenas duas reclamações. A diagramação estava boa, assim como o tamanho e tipo da fonte, apesar de que as páginas brancas sempre tornam a leitura cansativa. Gosto dessa capa, que representa todo o ar sedutor do Amâncio, mas não entendo porque a barba e as sobrancelhas do homem são verdes.
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