Joao.Ricardo 23/04/2020
Elite agrária brasileira decadente
Esse romance tem como objeto central discernir sobre a decadência do binômio engenho e a casa-grande. O engenho é a primeira estrutura de produção introduzida no Brasil colonial, a casa-grande é a residência do proprietário, que reúne as funções de fortaleza, hospedaria e escritório. Ambos compõem as grandes unidades produtivas, os latifúndios, dedicadas ao plantio de um só gênero de exportação, o açúcar e a sua produção em larga escala. O complexo centraliza a vida local, os limites do poder de mando e as influência hierárquicas, de maneira real e simbólica.
Seus proprietários formavam uma espécie de aristocracia da riqueza e do poder, totalmente diferente de qualquer remissão aos moldes europeus que compõem uma nobreza hereditária. Carlos Melo, o narrador e personagem central, está inserido nesse sistema que perpassa a sociedade brasileira durante séculos. Em Banguê, ele narra a decadência desse complexo em que confere o tom de coisa para sempre perdida mas nostalgicamente lembras, conforme explica um estudioso da obra Luís Bueno. Há a a valorização de elementos como nostalgia do passado, a idealização da vida patriarcal, a naturalização das lógicas exploratórias, escravidão ilegal velada, objetificação das mulheres, artificial igualdade na diferença entre brancos e negros, que são reflexos do sistema latifundiário de produção de monocultura.
Sob o crivo de C. Melo, em Benguê, a escravidão é vista como algo natural, nostálgico, afetivo, de boas recordações - “e que coisa gostosa era esta escravidão”, “Sempre era agradável, no Santa Rosa, ver-se a senzala cheia de negras conversando em voz alta”; era algo harmônico entre senhores e escravos - “como as mulheres brancas do engenho com a cabeça no colo das negras a catar piolhos”, também se revela como continuidade e naturalização da lógica cativa se manifesta - “No Santa Rosa as negras foram ficando a trabalhar pelo que comiam e vestiam, como antes de 88. Comiam bem. Os filhos se criavam na fartura e era tudo para elas”. O livro revela uma realidade sobre o sistema de espoliação que o mantém o narrador e é um sistema que se perpetua até hoje.
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