Sonic 19/05/2012
O Cavaleiro da Esperança: Vida de Luis Carlos Prestes
J. Amado
Como seria falar de presos políticos na era Vargas? Ou tratar de questões delicadas numa época de segredos e mentiras onde o Integralismo se fazia de defensor dos bons costumes e da identidade nacional? Como seria levantar-se para pedir a anistia a esses presos e exilados? Essas são algumas das questões tratadas em “O Cavaleiro da Esperança”.
Escrito em 1942, em um período que o mundo enfrentava uma guerra contra o fascismo e o nazismo, assim como o Brasil se encontrava sobre a ditadura do Estado Novo, a ousadia de Jorge é motivo de comemoração. Jorge Amado é mais conhecido no Brasil por obras como: “Capitães da Areia”, “Dona Flor e Seus Dois Maridos” e “Gabriela, Cravo e Canela”; principalmente depois das adaptações das mesmas por grandes emissoras de TV nacionais. Embora as obras citadas tenham sido escritas em momentos diferentes de sua vida, é possível encontrar características singulares em cada uma delas, em especial a preocupação de Jorge com o povo nordestino, oprimido e pobre do Brasil. Essas características o levaram a fazer parte dos romancistas Regionalistas da 2ª Geração do Modernismo, juntamente com expoentes da literatura nacional como Graciliano Ramos e Raquel de Queiros.
Sua literatura é fortemente carregada de ideais marxistas, especialmente os livros escritos em sua época de partido comunista. Isso explica a forte ligação e admiração pela pessoa de Luis Carlos Prestes, companheiro de luta e de partido que se encontrava preso pelo governo do presidente Getúlio Vargas. O escritor baiano também sofreu perseguição política, foi preso, impedido de sair de Salvador, chegou a ser eleito deputado pelo PCB pouco antes do partido entrar na ilegalidade.
Logo na introdução o autor fala de seu livro “ABC de Castro Alves” escrito um ano antes, o que reafirma um período de intensa atividade política. Faz comparações ao decorrer de todo o livro sobre os dois personagens históricos, mais precisamente com relação à aproximação destes e o povo, o que faz do “Cavaleiro da Esperança” uma continuidade de um trabalho mais importante do que uma simples carta de alforria de presos políticos, mas uma verdadeira exaltação do que considera genuínos heróis nacionais.
O livro está dividido em cinco partes, cada uma representando uma etapa da construção do herói do povo. Na primeira parte Jorge trás informações sobre os pais do cavaleiro, sua origens, uma nobre (a mãe, descendente de uma guarda- roupas do imperador) e outra plebéia (do pai, filho de calafate), gerando um conflito sócio-econômico entre seus progenitores e suas famílias para reforçar o seio familiar valoroso no qual foi concebido. Trás ainda episódios de sua infância pobre e difícil, a absorção de valores do pai e da mãe e uma sensibilidade que desde cedo aprendeu a ter, a capacidade de perceber e entender a realidade em que vive e sua predisposição de fazer as pessoas felizes faz parte de sua formação pessoal, nas palavras do autor: “Nos seus natais ele via que Papai Noel era feito apenas para os filhos daqueles que souberam armazenar moedas”.
A segunda parte constitui o maior capítulo, onde ele dá ênfase ao caráter indelével de Prestes, remonta o contexto histórico que antecederam as primeiras revoltas tenentistas e as introduz, trazendo consigo outros personagens que tanto contribuíram com essas revoltas. Ressalta a importância dessa geração de cadetes formada com Prestes e a Escola Militar do Realengo para as futuras revoltas. Traço marcante na literatura de Jorge também se encontra muito presente nessa narrativa, as religiões africanas, que Jorge Amado sempre teve forte ligação aparecem em comparações diretas do personagem a Oxóssi (Deus da Caça nas florestas), Xangó (Deus do Raio e do Trovão), além de trazer também como elemento comparativo Zumbi dos Palmares que segundo Jorge, é símbolo da luta e resistência para a nação.
Durante os primeiros capítulos ele nunca deixa de denunciar os problemas da Republica Velha e oligárquica, critica veementemente a literatura da época como “vendida”, que nunca era direcionada ao povo, elogia muitíssimo o furor ideológico de alguns tenentes atribuindo-lhes características de Benjamim Constant, que foi militar, estadista e professor, na visão de Jorge era um exemplo a ser seguido. Isto, juntamente com os acontecimentos mundiais, que também são muito bem explorados pelo autor em toda a sua obra, o leva a introduzir a criação do Partido Comunista Brasileiro ainda no primeiro capítulo e depois é reforçado no segundo.
Ainda na segunda parte, sem sombra de dúvidas a mais importante para compreender o pensamento e intenções de Jorge do personagem central da coluna, tanto quanto o pensamento do próprio autor para com esse assunto. É ai onde percebe-se o traço mais marcante da literatura de Jorge, ele fala sobre a força das mulheres que acompanhavam a marcha, narra feitos heróicos e paixões destas mulheres e sobre os filhos que nasceram dessas paixões, conta sobre o papel dos negros, caboclos, mulatos e sertanejos que largaram os seus afazeres para engrossar a Coluna. Narra ainda o heroísmo de figuras como Siqueira Campos, Miguel Costa, Raul Pompéia, Costa Leite e muitos outros da Coluna ou que a apoiavam em outras partes do Brasil.
Quanto a terceira e quarta partes de seu livro, Jorge dedica aos feitos de Luis Carlos Prestes em seu tempo de exílio, na Bolívia e principalmente na União Soviética. Sobre seu trabalho na Bolívia para ajudar seus companheiros a voltar para casa, seus primeiros estudos marxistas e sobre o seu desejo de fazer um governo do povo no Brasil. Na União Soviética, conta episódios de Prestes no Partido Comunista e os primeiros planos de uma revolução que trouxesse o comunismo ao Brasil. Nesses capítulos o escritor critica ferrenhamente o governo Vargas, o Integralismo e aos companheiros que traíram a revolução, compara o governo ao fascismo e ao nazismo, conta da Aliança Nacional Libertadora, da sua oposição ao governo, da entrada na ilegalidade e a caça aos seus lideres como criminosos e subversivos, processos que aproximam Prestes e Jorge, pois ambos eram já nesse período companheiros de luta e de partido.
Na quinta e ultima parte, que leva o título do livro “O Cavaleiro da Esperança”, o autor trás elementos da vida adulta de Prestes, de sua paixão por Olga Benário, seus planos que ficaram conhecidos como “Revolta Vermelha” ou “A Intentona Comunista” que planejava depor o presidente Getúlio em 1935. A tentativa fracassou o que levou Prestes e outros revoltosos para a prisão, muitos foram torturados e mortos ou enlouqueceram durante o cárcere, membros do ex Partido Comunista foram perseguidos e muitos deixaram o país após a criação do Estado Novo, Olga Benário foi entregue à Alemanha Nazista e acabou por ser morta numa câmera de gás. Esse ultimo capítulo vem como uma denuncia dos maus tratos que os presos políticos sofriam e também como uma apelo a sociedade para que essa abra os olhos para o que está acontecendo no País.
O autor termina o seu livro com um grito de liberdade para Luiz Carlos Prestes e com a promessa de que um dia terminará de contar a história, com as palavras do próprio autor: “Um dia, amiga, te narrarei o resto da história. No dia da liberdade, quando o Herói partir novamente no seio do povo para a festa da democracia. Te falei dele nos dias de luta, de triunfo, de exílio e de sofrimento. Te disse da sua grandeza, do seu gênio, do seu heroísmo. E, agora que o conheces, jamais o desespero habitará o teu coração por mais densa que seja a noite da tirania. Sabes que em breve despontará o amanhã da liberdade. Quando ele e o povo romperem as cadeias e partirem. Iremos com eles, negra, será uma festa, cordial e alegre, a liberdade e o amor.”(p. 350).
O livro foi publicado no dia 3 de janeiro de 1942, em Buenos Aires, no dia em que Prestes completou seu quadragésimo aniversário, ainda sob o cárcere. A narrativa é feita com dois personagens, um que conta a história, que passa a idéia de que é o próprio autor, e um que ouve a história, uma mulher que Jorge descreve como negra e amiga. O livro foi relançado em 1979 quando novamente o Brasil precisava de um grito de esperança para os presos políticos do Regime Militar e é importantíssimo para entendermos o contexto sócio-político nesses dois momentos muito delicados da história do nosso país. A narrativa é literária mas não ignora uma preocupação jornalística, apesar de Jorge não especificar suas fontes, cita sucintamente cartas e jornais da época, além de trazer durante todo o livro, poemas e versos compostos em homenagem ao Cavaleiro, um trabalho densamente palatável para amantes da História.
Maycon Jhossys Costa de Souza. Estudante de História pela Universitade Federal da Bahia.