MR.Santi 19/01/2015
As metáforas da ópera
1954. Vargas se suicida. Mas esse não é o foco. Claramente esse fato foi o estopim de toda a trama folhetinesca e radio novelesca de Marcos Rey, Ópera de sabão, mas não é o importante. Como o título sugere, a trama segue o ritmo e estilo das radionovelas, em inglês, soap operas (óperas de sabão). A expressão surge devido aos vários comerciais de patrocinadores das novelas, em geral, marcas de sabão. Mas, não, o sabão também não é importante. O que importa, talvez, seja a experiência do autor em radionovelas. Certamente isso deu tom particular à obra.
Marcos Rey é o pseudônimo literário de Edmundo Donato. Nasceu em 1925 e morreu em 1999, em São Paulo. Produziu inúmeros livros, roteiros de cinema, contos, crônicas, novelas de TV, scripts de rádio e peças de teatro. Sua primeira publicação foi a novela Um gato no triângulo (1953). Entre suas mais de quarenta obras, de literatura infanto-juvenil e adulta, estão O enterro da cafetina (1967) e O último mamífero do Martineli (1995), pelos quais recebeu o Prêmio Jabuti. Várias de suas obras também foram adaptadas para a televisão e o cinema.
Em Ópera de sabão, Marcos Rey trata sobre a morte, sobre a juventude e a velhice, sobre sexo. A primeira torna-se evidente logo no sumário, em que as primeira, segunda e terceira partes são intituladas “O suicídio”, “O velório”, “O enterro”, respectivamente. A segunda aparece nos personagens, os jovens e os velhos, os pais e os filhos. O terceiro é buscado avidamente pelos personagens, independentemente da idade.
Sobretudo, Rey trata sobre o Brasil dos anos 1950. O aparente radicalismo político, mais transitório que as meias que calça, do patriarca Manfredi; a era de ouro e queda do rádio brasileiro e de Madame Zohra, a senhora Manfredi; o dualismo entre razão e prazer do primogênito da família; a busca por ascensão social do mediano; a procura por um bom casamento por parte da caçula.
Todos esses aspectos constroem uma história envolvente e cheia de coincidências. O drama, o humor, o sarcasmo e o suspense. A sólida criação dos personagens, cada um com suas próprias características e misturados num único universo de proximidade, torna crível o absurdo, o aleatório. Marcos Rey consegue criar uma linha narratológica de quatro dias em 317 páginas; uma estória com digressões, flashbacks e situações que permitem ao leitor conhecer os cinco personagens principais, e que formam a família Manfredi.
De forma um tanto quanto folhetinesca, Rey discorre sobre política e cultura, sobre a realidade social brasileira após perder um de seus mais queridos e controversos presidentes. Fala sobre paixão e ódio, sobre indiferença. Metaforiza desejos e compromissos, seriedades e ludismos. Monta uma ópera em quatro atos, em quatro dias.
Utiliza com maestria a barreira do físico: por partes se coloca como observador parcial, corpóreo, e narra apenas o que qualquer pessoa poderia ver; por partes torna-se onisciente, narrando corpo e alma de seus personagens sem piedade. Mostrando o objetivo e o subjetivo, o heroísmo e vilania, as hipocrisias e dúvidas de seus personagens, reflete o relativismo e a dual realidade de toda uma raça, a raça humana.
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