Lorena 06/03/2017
Um clássico que divide opiniões há mais de dois séculos
O terceiro romance de Jane Austen publicado originalmente em 1814, conta a história da jovem Fanny Price. Por causa da falta de recursos dos pais, e à pedido da mãe, vai morar com os tios Bertram em Mansfield Park. Foi um grande sofrimento para ela se separar dos irmãos, principalmente do seu irmão mais velho William, e no início só conseguia chorar e se sentir completamente deslocada.
A falta de proximidade com as primas também não ajudou muito. Maria e Julia Bertram não eram o melhor exemplo de compaixão. O primo Tom Bertram era do tipo boêmio por ser o herdeiro de Mansfield, porém gentil, mas a princípio não manteve muito contato com Fanny. Edmund, o segundo filho, percebendo a aflição de sua prima, decidiu conversar e ajudá-la a se adaptar. Assim, ele e Fanny criaram uma ligação familiar muito forte e ao longo dos anos se tornaram muito amigos e confidentes.
Conforme crescia, Fanny não se mostrava muito excepcional nos estudos, mas possuía um julgamento justo e boas opiniões, estas muitas vezes discutidas com o primo Edmund. Perto de Mansfield Park morava tia Norris, irmã de Lady Bertram e da mãe de Fanny. Tia Norris gostava de dar palpites em tudo, e neste personagem em especial, Jane Austen utilizou - e muito! - a sua famosa ironia literária. Em qualquer momento oportuno, ela não deixava de inferiorizar Fanny e a colocá-la “em seu lugar” na sociedade e na família. Além disso, persuadia o casal Bertram com muita facilidade e sempre se mostrava disponível para qualquer evento. Já Lady Bertram, aceitava tudo o que tia Norris falava, não tinha muito ânimo para mudança. Ela era do estilo indulgente, utilizava da gratidão e boa vontade de Fanny em seu benefício próprio e se importava mais com o cachorro do que com as filhas.
Assim vivia a família em Mansfield Park, porém, Sir Thomas Bertram acaba viajando para a Antígua à trabalho. Maria flerta com um pretendente adequado para seus interesses, afinal, ela não era do tipo que se casaria por amor e sim com o que fosse mais conveniente. Com a morte do marido de tia Norris, muda-se para a vizinhança a família Grant, e os irmãos de Mrs Grant, Henry e Mary Crawford vem para visitá-los por algum tempo.
Ao conhecer Henry Crawford, Julia e Maria ficam encantadas com seus galanteios, demonstrando mais uma vez a falta de um caráter bem construído e bom senso. Edmund rapidamente se enfeitiçou pelos encantos mundanos e modernos de Mary Crawford. Fanny observou a tudo isso sem emitir opinião. A partir deste ponto, a história começa a dar reviravoltas. Fanny confirma sua paixão por Edmund ao ser deixada de lado por causa de Mary. Sofria, mas não falava nada. Ouvia as aflições de Edmund com muito respeito, apesar do sentimento que nutria por ele.
Enquanto os personagens se envolvem, o caráter e o respeito são a todo momento colocados à prova. Henry primeiramente flertou com Julia, e sem notar causou ciúmes em Maria. Mas, como era um rapaz de galanteios e possuía prazer em partir corações, um tempo depois viu em Maria um vislumbre mais interessante, mesmo sabendo que ela estava praticamente noiva. Mary Crawford, por sua vez, estava mais interessada em Tom Bertram por ser o herdeiro. Mas não demorou muito tempo para ambos perceberem que não existia uma atração e interesse verdadeiros. Ela, então, cedeu às atenções de Edmund. Porém, ao descobrir que ele visava uma vida simples como pároco, sentiu seu interesse abalado. Vários acontecimentos precederam a volta de Sir Thomas à Mansfield Park. A partir daí, a narrativa engrena para Fanny sair de sua zona de conforto, ser observada pelo leitor e buscar o seu destino.
A timidez e a resiliência com que Fanny Price se mostra durante a história é bem diferente das outras protagonistas de Jane Austen, por isso este livro divide muito as opiniões dos leitores e fãs da autora. De qualquer forma, se a protagonista se mostrasse altiva em um ambiente como Mansfield Park, não teria um bom resultado, visto que qualquer comentário inapropriado seria considerado como falsa gratidão e provavelmente seria ainda mais excluída do círculo familiar em que vivia.
Os personagens são bem construídos, cada um com seu jeito único e opiniões pessoais. Mais ousadia e sinceridade? Ou mais bom senso e caráter? A luta contra os verdadeiros sentimentos e o julgamento está sempre presente na pequena bolha de Mansfield Park. Cada um que lê possui interpretações diferentes de uma história tão fictícia e tão realista. Um romance profundo, que há duzentos anos abre discussões e traz o enredo à tona como se tivesse sido escrito ontem. Definitivamente, um clássico que merece ser lido e discutido por vários séculos.
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