Vandir 01/05/2012
A FICÇÃO CONTANDO A HISTÓRIA
A ficção descreve a realidade. Não por acaso, obras ficcionais reclamam, como regra, alguma verossimilhança no enredo. Quando feliz e competente, a literatura ficcional acaba por cumprir uma função, digamos, “sociodidática”: ao descrever a realidade, a torna compreensível aos olhos do leitor comum. A obra de Machado de Assis, por exemplo, revela aos olhos do leitor contemporâneo algumas características marcantes de um Brasil em formação no século XIX. O não tão conhecido – porém, não menos talentoso - Aluísio Azevedo, em seus romances “O cortiço” e “O mulato”, cumpre igual papel.
Aluísio e Machado são escritores do século XIX. Nos dias de hoje, não é tão fácil encontrarmos escritores com a mesma capacidade de observação e análise da vida social brasileira. Talvez essa afirmação seja injusta, talvez haja mesmo escritores de nosso tempo muito bons, mas se for esse o caso, no mínimo, não têm tido sucesso em projetar sua obra. Bem, seja como for, encontrar um romance contemporâneo com uma capacidade de avaliação e descrição social semelhante àquela vista na obra de Machado e de Aluísio é como achar um tesouro. Portanto, para o bom leitor, ler “a felicidade é fácil” de Edney Silvestre, é como desenterrar uma arca do tesouro.
A trama gira em torno de um sequestro, mas ao descrever o planejamento, a execução e o desfecho do crime, o autor do romance descreve, com extraordinária precisão, as transformações operadas no espírito e nos usos e costumes da sociedade brasileira no período histórico compreendido entre o desmoronamento do regime militar e a conclusão da transição democrática. Mais do que um crime, a obra descreve o vigoroso processo de degeneração social do Brasil, fotografando em seu texto alguns ícones da transformação dos padrões éticos e comportamentais, tais como: a) a conversão do ideário conservador, outrora embutido em ex-agentes da repressão sul-americana, em simples impulso delinquente; b) a superação do casamento tradicional, fundada no afeto e respeito mútuos, pelas uniões amorais, baseadas apenas em luxúria; c) a renúncia à busca honesta do sucesso, como uma consequência natural do esforço e do talento, e sua substituição pela ganância desmedida e desprovida de limites éticos; d) a substituição das ideologias políticas pelo simples desejo de apossar-se da riqueza acumulado nos cofres do Estado – algo muito atual.
No texto da orelha, a obra é definida como um “romance político”. Eu, porém, a classificaria como um romance histórico, precisamente pela sua eficiência em registrar não uma história sobre personagens envolvidos em política, mas a própria história de uma época. A leitura é fácil e ágil. A divisão entre capítulos curtos e relativamente independentes facilita a leitura com intervalos. Contudo, o suspense presente na história torna a leitura quase compulsória, de modo que muitos leitores que experimentarem esse livro, provavelmente, o lerão de uma só vez, alucinadamente.