de Paula 03/09/2021
A dor da velhice e o problema da bajulação
Essa é uma das peças mais famosas de Shakespeare e não por acaso, afinal, trata-se de uma tragédia em que os opostos se tornam loucos e vê-se os problemas originários de um orgulho sem limites.
O Rei Lear está envelhecendo e por isso decide que dividirá suas terras entre as três filhas, ou melhor, aos genros. Para decidir quem vai ficar com o maior domínio, pede para que suas garotas exprimam em palavras o seu amor filial. As mais velhas, versadas em palavras de bajulação sem alma, conquistam o pai, ao passo que a verdadeira e sincera Cordélia é renegada por não conseguir dizer que ama mais ao pai do que ao marido, a quem deve parte desse amor. Muitas alianças são quebradas e Lear se submete as filhas, renegando o trono.
Com o passar do tempo a realidade se revela, e a partir daí Lear percebe o que fez, mesmo sendo velho não teve atitude sábia. O Bobo da corte, que se faz presente nesse momento se prova são e mais realista que o rei, assim como as tramas secundárias mostram a loucura sendo sábia, a cegueira permitindo enxergar a verdade, além do amor não revelado sendo o maior deles, por quem se promove uma batalha, como o exilado sendo o braço direito, o único a não abandonar o rei.
É uma grande história, como sempre, o autor revela críticas em seus detalhes e diálogos. A crítica sobre o abandono na velhice é um dos pontos mais importantes e tornam a obra atemporal, afinal, vemos isso acontecendo nos dias atuais. Outra questão é saber observar os bajuladores, afinal, nem todos os que te elogiam e dizem te querer bem de fato o querem, na realidade isso se prova equivocado na maioria das vezes. É preciso estar atento antes de ficar cego e então perceber, ou ficar louco pelo erro cometido contra um amor tão puro e sincero, embora não muito poético e versado na oratória.
Corre na trama secundária a historia de Edmundo, onde o bardo faz o que sabe de melhor: um vilão odioso e sem escrúpulos. Esse personagem consegue na fala ganhar e trair a todos, mesmo começando com pequenas vantagens e maquinações, chegando ao ponto de ser amante das duas filhas mais velhas de Lear, provando o ponto da sua ganância insaciável. Ele age de maneira astuta e suja para conseguir o que pretende, sem remorsos contra o próprio pai e irmão. Ao contrário de Iago, no entanto, há uma justificativa: ele é filho bastardo de um nobre. Provavelmente deve ter passado por muitos preconceitos e teve que se provar digno constantemente, considerando que seu pai o tinha em alta estigma. Isso pode corromper ou beneficiar uma pessoa, nesse caso, ocorreu a primeira hipótese.
Gostei muito da peça e a tradução da edição me fez sentir mais perto do dramaturgo popular, embora mais distante do poeta. As palavras e termos usados são mais próximos da realidade da linguagem contemporânea, embora isso remeta ao autor que preconizava em comunicar as massas. Foi feito um ótimo trabalho nessa tradução e mais um viva ao Shakespeare!