Procyon 20/08/2023
Incidente em Antares ? comentário
?Às vezes neste mundo é preciso mais coragem para continuar vivo do que para morrer.?
O último romance escrito pelo conterrâneo gaúcho Érico Veríssimo é uma obra magistral que utiliza elementos do realismo fantástico e discute o contexto do Brasil no século XX. Usando do sobrenatural, o autor faz um jogo assaz astuto do irreal com o real para realizar uma crítica social que envolve tanto dimensões micro (relações familiares, hipocrisia, rivalidade) quanto macro (a violência do regime militar, a chegada da indústria estrangeira no país, a tortura, a corrupção, o mandonismo, coronelismo etc.).
?A progressão social repousa essencialmente sobre a morte. Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos.?
Esta ?ficção distópica?, ou sátira política, de Veríssimo, serve como uma alegoria: Antares, a ?terra das Antas?, parece se dar como um microcosmo do Brasil (ou mesmo da América Latina). Aliás, há ambiguidade tanto no nome da cidade ? pois, além de ?terra das Antas?, pode representar a estrela, localizada na constelação de Escorpião, de mesmo nome, e, que, em algumas culturas estava associada às grandes transições (apesar da própria ser conhecida como um astro de variabilidade lenta) ? quanto no seu final nem tão loquaz, mas eloquente. Desse modo, fica clarividente no livro de Veríssimo a dificuldade de se encarar os mortos, que representam um passado. Das máscaras das representações sociais, os mortos mostram não só ?um país de antas? ? até porque é muito fácil assim dizê-lo ?, mas também um país que se apressa em esquecer, e um país onde as mudanças, o dito ?progresso?, se demora a chegar.
Apesar de semelhante a O Tempo e o Vento (pelo menos O Continente), Incidente em Antares difere um pouco desse na tratativa de um aspecto mais nacional, enquanto o primeiro se aplicava mais a um tipo de regionalismo muito particular de ?nosso? Érico Veríssimo. Ainda assim, assemelha-se também na estruturação como um épico, todavia Veríssimo assimila um certo valor experimental, e até mesmo pessoal, pois tem a coragem, digamos assim, de se inserir na narrativa (tanto nominalmente, quanto na figura do professor Terra), abdicando do distanciamento confortável da narração e adquirindo um teor de fragilidade. E é talvez dessa fragilidade que advém seu caráter transcendente e atemporal, seu aspecto lírico, épico e sublime.
?Pense na História e me diga quando, em que tempo o ridículo não andou de braço dado com o sublime.? (p. 147)