Paulo 25/11/2023
De uma parte fabulosamente romântica da história da união de seus pais - ela própria parece ter sido inventada num romance - Gabo (Gabriel García Márquez) criou uma longa narrativa "hiper-romântica", ou patologicamente romântica, que se passa entre fins de século XIX e primeiras décadas do século XX, período marcado por guerras e, claro, pelo cólera. E pela longa espera da retribuição e concretização incertas de um amor.
Do fantástico de García Márquez a maior parte, mais como absurdo do que mágico, está concentrada nesse amor de Florentino Ariza, protagonista do romance. No entanto, não só o que a narrativa chama de amor é questionável hoje, embora como algo mais problemático para o próprio acometido desses sentimentos, mas também outras coisas que Gabo colocou nesse longo romance, como o sexo e relação entre um idoso e alguém de quatorze anos. Se há uma atipicidade extremamente interessante de acontecimentos e muita graça, graça mesmo no realismo do cotidiano - embora às vezes improvável (fantástico?) -, por exemplo de um pombo cagando numa carta de amor ou em situações intestinais de personagens, há por outro lado essas problemáticas incômodas hoje, bem do tipo que há em seu "Memórias de Minhas Putas Tristes".
Penso que existem muitos autores que escrevem tão bem e tão lindo que, e isso talvez seja um clichê e eu apenas desconfio, costumo pensar que cada frase deles é um verso. No caso de García Márquez, as frases quando não são "puramente" versos são também percepções muito sagazes e afiadas, do comportamento humano, dos detalhes do cotidiano, da vida. Fico verdadeiramente impressionado e maravilhado ao ler suas perspectivas e descrições, incluindo as cômicas: "(...) continuava tão confuso que não se inteirava da condição do mundo, e uma patrulha militar o surpreendeu certa madrugada perturbando a castidade dos mortos com suas provocações de amor. Escapou por milagre de uma exclusão sumária acusado de ser um espião que mandava mensagem em clave de sol aos navios liberais que esquadrinhavam as águas vizinhas.
- Que espião 🤬 #$%!& nenhuma - disse Florentino Ariza. - Eu não passo de um pobre apaixonado.
Dormiu três noites acorrentado pelos tornozelos nos calabouços da guarnição local."
Por outro lado, o extenso e rico vocabulário de Gabo pode tornar a leitura um pouco difícil, e as idas e vindas na narrativa e as retomadas de eventos podem fazer a linha do tempo e ordem dos acontecimentos confusas.
Maravilhoso, sobretudo.