Fran Kotipelto 28/03/2011
"Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo." José Saramago
"Quando digo que as pessoas que estão na caverna somos todos nós é porque damos muito mais atenção às imagens do que àquilo que a realidade é. Estamos lá dentro olhando uma parede, vendo sombras e acreditando que elas são reais."
Mais uma vez executo uma tarefa árdua,de extrema reponsabilidade,e consequentemente quando se tem uma "missão" desse nível, é impossível não pensar várias e várias vezes afim de escolher as palavras certas,assim como Saramago escolhe uma a uma as palavras que vão compor suas obras magistrais.
Em "A Caverna",José Saramago disseca, através da história de pessoas comuns,um oleiro, um guarda, duas mulheres e um vira-lata chamado "Achado",o impacto destruidor da nova economia sobre as economias tradicionais e locais. Esses personagens circulam pelo Centro, um gigantesco monumento do consumo onde os moradores usam crachá, são vigiados por câmeras de vídeo e não podem abrir as janelas de casa.
E é muito fácil identificar o capitalismo,representado pelo 'O Centro Comercial (a caverna),que engole, desfaz, destrói e passa por cima das relações humanas em nome do dinheiro. Esse processo atravessa esterilizando a vida das pessoas comuns que exercem uma profissão e se reconhecem nela.
Todos nós de certa maneira, em diferentes graus somos vítimas desse processo,mas em "A Caverna" o oleiro Cipriano é a principal vítima,já que vendia a louça de barro que fabricava artesanalmente na aldeota em que vive - agora, os clientes do Centro preferem pratos e jarros de plástico. Sem outro ofício na vida, Cipriano perde a razão de viver. E a convite do genro,o guarda Marçal, muda-se para o Centro, essa verdadeira gruta onde milhares de pessoas se divertem, comem e trabalham sem verem a luz do sol e da lua.
Enquanto isso, embaixo dos diversos subsolos, os funcionários do Centro descobrem uma estranha caverna. Driblando a vigilância, Cipriano consegue entrar lá. O que descobre é aterrador.
Usando mais uma vez alegorias tão bem abordadas, José Saramago nos presenteia com um romance muito bem construído que nos faz ponderar sobre questões que poucos são capazes de reconhecer, não estaremos vivendo sobre as muitas sombras criadas por uma caverna chamada capitalismo? Quem somos senão aquilo que consumimos? O "ter" é mais importante que o "ser"? Quais os nossos vínculos afetivos que ficam isentos das diretrizes econômicas? Por que a profissão que eu tenho importa mais do que meu caráter? Por que ver apenas "sombras" materialistas,quando podemos vislumbrar com nitidez a felicidade que de maneira nenhuma está direcionada ao consumismo desvairado imposto pelos "senhores das sombras"?