Lidiane 01/02/2014
Para (re)pensar
José Saramago trabalha com a perspectiva de uma caverna dos tempos modernos, retomando claramente, o mito da caverna, proposto por Platão. O livro trata de uma família simples, moradora do campo, próximo à cidade. Está família é composta por Cipriano Algor, que é oleiro, e vende objetos de barro para o Centro (que falarei a posteriori sobre ele), sua filha Marta, que ajuda o pai na olaria. Esta, por sua vez é casada com Marçal Gacho, segurança deste Centro. Na história ainda iremos encontrar a presença de Isaura, que vai tomando cada vez mais um lugar importante na trama. Para completar o cenário, está presente o cachorro Achado, por quem os leitores facilmente são cativados, por seu jeito bastante humanizado, além dos seus "sentimentos caninos".
Nossa história começa quando o Centro, (que é um espaço gigantesco, dentro de uma cidade, onde as pessoas moram, trabalham, se divertem, fazem compras, enfim, é um espaço em que as pessoas supostamente, encontram tudo o que desejam) resolve parar de comprar as encomendas do nosso oleiro pois, as pessoas já não se interessavam mais por esse tipo de mercadoria, elas agora preferiam mais, os jarros e pratos de plástico, pois era mais barato e possuía uma maior durabilidade.
Neste momento, o que percebemos é um homem de idade já avançada, (mais de 60 anos), que de repente, encontra-se em uma situação em que não sabe mais o que fazer, uma vez que passou sua vida inteira trabalhando com barro. Seu genro Marçal, está apenas esperando uma promoção para guarda residente do Centro, para poder levá-los para morar no mesmo. Enquanto isso, sua filha Marta tem a ideia de começarem a fabricar bonecos de barro para serem vendidos ao Centro. A ideia parece ser boa, então eles resolvem entrar nesta empreitada, e escolhem seis modelos para fazerem os bonecos. Logo apresentam sua ideia para o Centro, que aceita e faz uma encomenda, porém, na primeira entrega, eles propõem um inquérito, para ter noção de como será a recepção dos bonecos para com a clientela. Infelizmente o resultado não é favorável para esta família, e o nosso oleiro fica mais uma vez desesperançado sobre o futuro da sua olaria.
O livro é regado com um percentual de melancolia, pois é difícil não se sensibilizar percebendo o sofrimento de Cipriano Algor com o fim das encomendas, não só pela perda do sustento, mas também, digamos, por uma perda de identidade, pois até aquele momento da sua vida, ele era oleiro, trabalhava com barro e vendia para o Centro, de repente, ele não venderia mais os seus produtos pois estes não mais interessavam ao mercado. É como se tudo o que você soubesse fazer na sua vida, não tivesse mais importância, e além das mercadoria, o próprio ser existencial passa a não ter mais um valor para a sociedade.
Após ficar sem ter em que trabalhar, e o genro receber a promoção, Cipriano Algor, que sempre foi relutante em ir morar no Centro, acaba aceitando o convite, e se muda, juntamente com a família. Porém, para ir embora, eles deveria deixar o cão Achado pois o centro não permitia animais, apenas pássaros de gaiola, e peixes de aquário. Com isto, deixaram o pobre Achado, na responsabilidade da vizinha Isaura, por quem Cipriano nutre um nobre sentimento.
Quando chegam até o Centro, Cipriano Algor decide usar seu tempo livre para se aventurar em meio às opções de entretenimento que o espaço oferece. Um dia, descobrem algo no subsolo do prédio que mobiliza os seguranças, e que deve ser mantido em sigilo. Porém, Cipriano decide que verá do que se trata, e em uma madrugada, quando o genro sai para o plantão, ele vai atrás, e descobre o que encontraram. Após essa revelação, ele fica completamente aterrorizado, e decidem, tanto ele, quanto o genro e a filha, ir embora daquele lugar.
O que eles encontraram no subsolo do Centro foi o cadáver de seis pessoas, três homens e três mulheres. É neste momento em que o autor José Saramago faz sua maior identificação com o mito da caverna de Platão. Quando Cipriano Algor, e seu genro Marçal Gacho falam que aqueles eram eles, toda uma questão filosófica dos dias atuais recai sobre o leitor.
Pensar sobre o que era essencialmente o mito da caverna de Platão: pessoas acorrentadas que do mundo lá fora só conseguiam ver sombras e acreditavam que aquelas sobras eram a realidade da vida, e ler A Caverna de José Saramago é impressionante.
De acordo com o que Saramago apresenta neste livro, as pessoas atualmente estão "presas" nestas cavernas, que são os grandes centros, onde o que existe dentro dele se torna tão real que as pessoas esquecem que existe um mundo fora daquele espaço. O Centro de José Saramago, possui lugar para comprar, trabalhar, se divertir, contando com praias artificiais e lugares que proporcionavam as sensações climáticas diversas, a contrapelo não permitia que as janelas fossem abertas por causa dos ar-condicionados, portanto, as pessoas não tinham acesso a luz do sol, nem à lua.
A família de Cipriano Algor, assim como uma das pessoas do mito da caverna de Platão, consegue escapar ao que estava os prendendo, estes voltam para a antiga casa, recolhem o cão Achado, e a vizinha Isaura, e partem para outro lugar, pois aquilo que antes eles conheciam bem, como uma vida tranquila, já não mais os pertenciam, e precisavam partir em busca de um novo lar.
Em suma, o que poderia ser apenas uma história sobre uma família simples, José Saramago transforma em uma reflexão acerca do capitalismo, da forma de vida que as pessoas estão inseridas, e como podemos estar cegos e presos por teias que nós próprios criamos.