@fabio_entre.livros 01/03/2016
O reverso da medalha... e do decadentismo puritano
Que Oscar Wilde foi um autor polêmico, tanto por sua vida extravagante quanto por sua obra, ambas marcadas por elementos, fatos e acusações de homossexualismo, isso não é nenhuma novidade. Entretanto, se nos seus textos (particularmente em sua obra-prima “O retrato de Dorian Gray”) as referências homoeróticas se dão de forma “velada”, subentendida – e mesmo assim, o suficiente para crivar o romance de acusações de imoralidade – , em “Teleny” o conteúdo homossexual é tratado de modo explícito e direto.
É preciso, porém, antes de qualquer coisa, deixar claro que não existem provas de que Wilde seja o autor de “Teleny”; pelo menos não sozinho: recorde-se que o livro foi publicado anonimamente, pois para a sociedade puritana da época, o conteúdo do livro seria demasiadamente escandaloso e imoral. O mais certo é que a obra tenha sido escrita, por assim dizer, a “muitas mãos”, isto é, por um grupo de amigos de Wilde, e que ele tenha concebido partes da história e feito a revisão final. De qualquer forma, diversos elementos da obra wildiana se encontram em “Teleny”: a ironia, a denúncia à hipocrisia social, a crítica sarcástica e a linguagem dotada de um sentimentalismo intenso e retórico.
O romance traça a história do jovem Camille e sua paixão arrebatadora pelo pianista húngaro René Teleny; mesmo sabendo da sua condição sexual desde a infância, Camille mantém seus desejos reprimidos até que tudo vem à tona ao conhecer Teleny. O músico corresponde aos sentimentos de Camille e logo eles se tornam amantes. Embora com um tom romântico e sensível durante a maior parte da obra, o livro não soa piegas; ao contrário, ele é abertamente erótico (essa edição faz parte de uma coleção de clássicos eróticos organizada pela Hedra), com descrições detalhadas de felação, masturbação, sodomia e orgias. Aliás, o livro não descreve apenas atos sexuais homoeróticos: há diversos momentos de sexo “convencional”, como a visita de Camille a um bordel, as narrações de suas primeiras aventuras sexuais com mulheres e certo acontecimento com desdobramentos trágicos no final do livro.
O universo sexual apresentado na obra é decadente (um exemplo disso é a morte ocorrida no bordel, a qual a “plateia” assiste indiferente), enquanto, paradoxalmente, em uma das “sessões privadas” do pintor Briancourt (amigo de Teleny), figuras notáveis da sua sociedade puritana, algumas inclusive conhecidas por sua religiosidade pública, marcam presença constante, sem pudores. Finalizando, digo que “Teleny” vai além do romance erótico: o seu próprio desfecho fatalista funciona como uma crítica ao conservadorismo e à moralidade hipócrita da sociedade à qual os personagens pertencem. Uma leitura muito válida, com a essência de Wilde, mesmo que a coroa de louros, nesse caso, não pertença exclusivamente a ele.