Luiz Pereira Júnior 25/08/2022
Os donos da verdade e suas misérias
Um compositor erudito, que nada compõe de erudito há bastante tempo, vivendo de rendimentos de suas trilhas sonoras para seriados de crimes, recebe a visita da filha de seu ex-amor e passa a viver com ela. Pronto, eis o resumo do livro.
Um livro que pretende (e consegue) retratar a intelectualidade musical e acadêmica de sua época e de seu país (Alemanha), mas acaba por ser universal e atemporal, pois o autor retrata os intelectuais como parasitas, invejosos, faladores, donos de teorias esdrúxulas que só eles (e às vezes nem mesmo eles) entendem e reformadores do mundo que nada fazem de fato para mudá-lo.
Seja sincero: você realmente vê com bons olhos alguém que fala em mudar o mundo, que critica a todos, que é o dono da verdade, mas que vive às custas de quem vai todos os dias lutar para pôr comida à mesa de sua família?
Apesar dos exageros, é praticamente impossível deixar de concordar com o autor em alguns aspectos de suas críticas, mas sei que isso pode parecer insensibilidade ou inveja. Um exemplo é quando o narrador diz ir a um concerto de mais um violinista sem talento do Terceiro Mundo. Esnobismo do narrador? Xenofobia pura e simples? Ou será que finalmente alguém teve a coragem de escrever explicitamente que alguns artistas são aplaudidos e apoiados não pelo seu talento medíocre em si, mas pelo fato de suas condições adversas? Algo a se pensar.
Enfim, ao criar um espelho distorcido (mas nem por isso menos real) de nós mesmos, o autor nos reflete. Pode ser que rejeitemos suas ideias, suas críticas, sua ironia, mas pelo menos ele altera o caminho de nossos pensamentos e de nossas ideias. E isso, por si só, já é um mérito para qualquer autor que mereça ser chamado por esse nome.