Lucio 03/07/2019
UM JOVEM NIETZSCHE CONSERVADOR
Esse é um livro de uma fase mais jovial de Nietzsche, antes dele cair na desilusão completa, no niilismo bem conhecido após a fase do 'Humano, Demasiado Humano'. Um filólogo competente, demonstrando erudição não apenas no que diz respeito aos gregos, mas principalmente aos autores alemães - Goethe, Hegel, Hartmann. Está, também, muito ciente de sua época, fazendo uma brilhante leitura cultural a respeito da unificação de Bismarck que se restringiu à política, não á cultura. Ainda que mais novo, Nietzsche já demonstrava erudição e escrevia da forma peculiar que parece ter lhe seguido desde sempre.
RESUMO DAS IDEIAS PRINCIPAIS
O que ele ensina no livro? Bom, primeiro, fala sobre o peso do historicismo nos jogando uma avalanche da carga do passado sobre nós, nos sufocando, de modo a invejarmos a vida animal ou a da criança. Então, passa a falar dos tipos de usos da história. Ele os divide entre monumental, tradicionalista e crítico. Sua proposta é basicamente a de propor um uso crítico da monumental e tradicionalista. O que são elas? A história monumental é aquela que valoriza eventos e personagens históricos de outrora. Podem servir de inspiração - e é assim que deve ser usada. Todavia, corre-se o risco de ou super-valorizar o passado a ponto de julgar que ele não poderá se repetir, ou a se imitar o que passou ignorando as nuances complexas existentes na ocasião da personagem a quem pretendemos imitar. A história tradicionalista nos dá os fundamentos reais de nossa cultura e nos tira da perspectiva de uma mera existência animal sem distinção. Nos dá uma personalidade. Todavia, pode-se sacralizar tudo o que é pretérito, de modo acrítico, e até mesmo rejeitar o que é novo. Uma dose de perspectiva crítica fará com que os dois modos tornem a história útil para a vida.
É aí que o livro se volta contra o que nos parece dois tipos de perversores que, embora possam ser distinguidos em duas categorias, podem se implicar. Nietzsche gastará muito tempo, muitas vezes, ecoando Schopenhauer, falando sobre o tipo de erudição histórica que não faz outra coisa senão bombardear a juventude de informações de modo que ela se perde nessa variedade e passa a não querer assumir qualquer caráter, qualquer particularidade, perdendo, assim, qualquer possibilidade de desenvolver alguma personalidade. Além disso, é essa mesma forma de erudição acaba por separar o que se pensa do que se vive - a famosa Paralaxe Cognitiva. É justamente isso que acabou por matar na Alemanha qualquer possibilidade de uma cultura autêntica. Para Nietzsche, os alemães são uma imitação barata da França - que ficou ainda mais pobre quando passaram a arrogar autenticidade artificial e, assim, tornaram-se imitadores medíocres. E por que fizeram isso? Isso nos leva ao segundo ponto.
Nietzsche já era, como se vê, desde o início um mordaz crítico de Hegel e dos hegelianos em geral. Entende que foram eles que lograram à Alemanha a ilusão de que eram o ápice da história - ou o limiar para uma evolução sem precedentes. Passaram a considerar toda a história anterior não mais do que a preparação para eles mesmos. Assim, viam-se como catalizadores do desenvolvimento do mundo. Isso não lhes dava qualquer identidade e os fazia olhar para a história de forma cínica, apática. Pior do que isso. Viam todas as coisas como necessidade e, assim, sacralizavam o 'sucesso', sem que nada houvesse para ser contestado ou ser motivo de protesto ou mesmo júbilo afetado.
A propósito, sobra espaço para se criticar o positivismo, especialmente o que arrogava para si como que uma objetividade e imparcialidade na pesquisa histórica. Tal imparcialidade não só não é desejável - pois é a negação do uso crítico da história monumental e da tradicionalista - como é, de fato, impossível. O historiador irá se colocar quando tentar explicar a conexão invisível entre os fatos, quando buscar salientar o que é importante. Ele faz uma composição artística. Todavia, o historiador cientificista se nega a admiti-lo e supõe-se como que passivamente registrando o que lhe vem.
Há, por fim, um ataque visceral ao coletivismo - já demonstrando as bem conhecidas feições aristocráticas de Nietzsche. Ele vê a massa basicamente como estulta, e entende que a perspectiva de perda da autenticidade em nome dos projetos coletivistas acabarão por produzir uma aldeia dos egoísmos utilitários e de uma vida sem significado, desprovida da verdadeira vivência cultural.
Todas essas forças são contrárias à vida e à perspectiva do futuro - principalmente a de um futuro mais feliz e belo para os alemães, pois não tinham e, se as coisas continuassem assim, jamais teriam uma autêntica cultura alemã. É preciso, conclama Nietzsche, aprender a esquecer e a olhar para a história a partir de uma perspectiva que lhe dê um sentido, sem que essa opção seja a do hegelianismo que mata o futuro com a ilusão de que se alcançou o melhor dos mundos no presente.
AVALIAÇÃO CRÍTICA
Nietzsche parece fazer, em algum sentido, uma apologia à História Reflexiva Pragmática da 'Filosofia da História' de Hegel. Rejeita, evidentemente, a História Filosófica do Mundo. Está em franca oposição a ela e a vê como o grande mal que impede a Alemanha de adquirir uma cultura autêntica. Aliás, essa parece ser a palavra de ordem para Nietzsche. Ele sugere amiúde que a realização existencial do indivíduo se encontra na vivência autêntica de uma personalidade, de uma identidade cultural. Soma-se a isso a recuperação dos instintos, perdidos pela ruptura entre o exterior e o interior provocada pela 'cultura histórica', pera erudição. Todavia, perguntamo-nos como ele poderia superar, com isso, as críticas de Agostinho, Pascal, Kierkegaard, Chesterton, Lewis, Schaeffer e demais existencialistas cristãos a respeito do desespero da vida e da patética e impotente fuga ao tédio e à angústia pelos subterfúgios.
Ainda há de se apontar que ele já começa, aqui, algumas de suas críticas ao cristianismo - principalmente à noção de que Paulo teria deturpado os ensinos de Jesus ou que o cristianismo propõe a subversão dos valores viris. Evidentemente que se trata de uma bem conhecida falácia do espantalho.
Apesar de tudo, é um livro fantástico! Surpreendeu-nos sua aproximação com o conservadorismo nas teses de recepção e absorção do passado e da importância da 'kultur' para a integridade existencial.
RECOMENDAÇÃO
O livro deve ser lido por qualquer filósofo. Filósofos da educação e pedagogos, bem como filósofos da história e historiadores se beneficiarão sem dúvida alguma da leitura. Filósofos existencialista e filósofos políticos verão aqui enormes contribuições também. Embora seja um autor mais apreciado por ateus, não traz qualquer desafio significativo à fé cristã. Antes, contribui no que diz respeito aos elementos de uma filosofia conservadora.