Lucio 15/02/2019
Uma Autobiografia Intelectual Brilhante! - do ceticismo ao cristianismo
Chesterton é um autor brilhante. Escreve muito bem e isso pode ser enganoso. Sua fala cativante esconde uma argumentação poderosa e profunda. Há ricas citações e alusões a muitos filósofos e escritores, principalmente os de sua época. Há um franco diálogo com os céticos de seu tempo, incluindo Nietzsche e Bernard Shaw. A leitura fica melhor compreendida para quem estiver ciente dos problemas filosóficos levantados em sua época. E há particularmente um de interesse: o problema da existência, o significado do mundo e da existência humana. Darwinismo, socialismo, agnosticismo e afins são atacados prontamente. Há uma caricatura do calvinismo que pode e deve ser ignorada para melhor aproveitamento do livro. E nem toda forma de marxismo é contemplada nas críticas feitas ao socialismo e marxismo em geral.
Este é um livro de apologética não-convencional. Ele é de cunho mais existencial, e somente quem está a par destas discussões sorverá com propriedade as riquezas da obra. Chesterton narra o processo de auto-crítica, de ceticismo, que o levou ao Cristianismo. Ele foi movido por um ímpeto de heresia e, dado a duvidar mais do que queriam, acabou duvidando de si e de tudo o que diziam para chegar a conclusões que, para sua surpresa, já haviam sido dadas há séculos atrás, na ortodoxia.
Se seguirmos a sequência dos capítulos, teremos que ver Chesterton defendendo que a mera racionalidade não nos torna melhor do que os loucos, sendo preciso, portanto, uma nova visão, uma nova crença para se alcançar uma explicação mais abrangente do mundo. Portanto, colocada a própria lógica pura em jogo, parte para a dúvida de todo o aparelho cognitivo, beirando a um argumento transcendental no capítulo seguinte. Solipsismo ou caos epistemológico é o que resta ao materialismo. É a loucura do relativismo que se vê no horizonte do materialismo. Na sequência, Chesterton mostrará como a própria visão de um mundo ordenado demanda uma explicação para as formas arbitrárias que este mundo tem, e tal lição é claramente ensinada no mundo das fadas. Sendo obra de arbítrio que a própria natureza seja tal como é, Chesterton começa a suspeitar de um criador, o que é reforçado pelo seu ceticismo com o materialismo. O mundo agora, que é encantado, é preciso ser amado e odiado ao mesmo tempo e é no cristianismo que se encontra essa possibilidade, mais uma vez. Já haviam chegado lá. Endossou sua fuga ao ceticismo o fato de que ele nota ser ele incoerente em suas críticas ao cristianismo, valendo-se de qualquer desculpa para rejeitá-lo. De fato, passou a observar motivos exatamente opostos para criticá-lo e, então, notou que, na verdade, eram dois excessos de dois lados, e no cristianismo estava a sensatez, o equilíbrio e a harmonia. Logo vem a noção clara de que o cristianismo dá uma visão clara de mundo que permite o verdadeiro progresso, a saber, satisfaz os três critérios para que as coisas caminhem: tem um alvo fixo, uma alvo complexo e harmonioso e uma filosofia que permite a vigilância e conservação do que foi conquistado no caminho do progresso. Ainda sobra espaço para mais ceticismo quanto a um cristianismo misturado com materialismo, que o autor observa ser apenas propagandeado como 'livre-pensamento', mas é preso às amarras do materialismo, já demonstrado como problemático. Por fim, observa a incoerência de várias críticas ao cristianismo e propõe a Igreja como mestra viva da alma, como uma mãe a ensinar o filho e permitir-lhe brincar alegremente enquanto dele cuida.
Poderíamos dizer que Chesterton viu que o materialismo e o ceticismo em geral não explicavam muito bem o mundo e ofereceram críticas pobres demais ao cristianismo que, por sua vez, não apenas subsistia facilmente às críticas mas oferecia uma forma melhor de explicar o mundo, sem cair em armadilhas, e não apenas de explicá-lo como de vivê-lo.