Rafa 22/03/2022
Meu primeiro Melville
A história é contada por um personagem, advogado, chefe de escritório para o qual Bartleby foi contratado, no serviço de escrivão. A narrativa se desenha, em um horror cômico, como o definhar definitivo do homem.
O conto avança sob duas perspectivas: de um lado, os personagens - o advogado, Turkey, Nippers, Ginger Nut e Bartleby; de outro, o espaço físico onde se desencadeiam os eventos, o cenário dessa tragédia da humanidade.
Eu não vou me estender muito, mas quero destacar alguns pontos: o escritório, ambiente de trabalho dos personagens, localiza-se em Wall Street, e se apresenta como um local "insípido, pois lhe faltava o que os pintores chamam de ", a janela tem vista para uma parede alta de tijolos escurecida "pelos anos e pela sombra permanente". Observe o peso que já se desenha no cenário!
Quando se passa à caracterização dos personagens, há uma nota kafkiana: o homem medido pela sua utilidade.
O viés cômico da narrativa é a "excentricidade" (que, na verdade, se delineia mais como um desespero colossal) de Bartleby, que pouco a pouco, no uso da frase "acho melhor não", "eu preferiria não", acaba por se negar a cumprir qualquer atividade, limitando-se a deixar a vida passar, preso aos seus devaneios.
Isso, contudo, para o advogado, e para o leitor, que o acompanha, é um absurdo que choca de modo tal a provocar uma completa ausência de reação - o que eu faço com isso?
Avançando, o peso do cenário casa com a solidão e abandono profundo do homem: "Aos domingos, Wall Street é tão deserta quanto Petra; e todas as noites de todos os dias são uma desolação. (...) Nesse lugar Bartleby fizera a sua residência; o único espectador da solidão que já vira povoada (...)".
Vou evitar prosseguir na história, MAS ainda vou destacar uma cena - a da mudança: o biombo, que reservava o local onde ficava Bartleby, sendo "retirado, dobrado como imenso fólio, deixando um ocupante imóvel em uma sala vazia".
A ambientação atravessa a linguagem, na mesma proporção da frase insólita, dando destaque a um silêncio devastador.