Israel145 28/03/2015O livro 1984 de George Orwell não é considerado um clássico moderno à toa. A sua obscura história de repressão num futuro distante aterrador onde o Partido comanda a tudo e a todos, inclusive o pensamento, a história e a vida pessoal de cada indivíduo, transmite o medo de como o mundo poderia se tornar caso os regimes totalitários viessem a se consolidar.
O futuro (1984), que para nós hoje é passado, não aconteceu como no romance; os regimes totalitários se desintegraram com exceção de uns poucos; A liberdade ainda é recorrente na maioria do mundo civilizado. Mas nem por isso o romance de Orwell deixa de ser assustador e moderno.
Ele continua com essa característica por que não deixa de haver certa perda no individualismo, na privacidade e na preservação dos dados pessoais. A teletela e os microfones presentes em cada canto da casa dos cidadãos que se sentiam o tempo todo observados e temerosos, aguardando algum oficial do partido gritar ordens por um desses aparatos. Hoje vivemos num mundo cada vez mais conectado, onde temos dados roubados e somos “observados” as partir dos nossos hábitos de navegação virtual chegando ao ponto de haver casos reais de roubo e invasão da vida pessoal a partir do acesso aos dados virtuais.
O grande irmão (Big Brother) descrito no livro com seu olhar perscrutador a partir de diversos pôsteres gigantes espalhados na cidade e casas, vive hoje a nos observar a partir das câmeras de segurança, smartphones, webcans, satélites, etc. o Grande satã observador existe, não materializado numa única entidade, mas como um conjunto diabólico a nos observar.
Winston Smith, o personagem principal é um altruísta. Apesar de ser um membro do partido externo (algo como um cargo de baixo escalão) acha que deve rebelar-se e fazer com que o mundo volte a ser como o era nas suas recordações. Winston constrói um mundinho individual depois que conhece Júlia, outra rebelde e a personagem mais interessante do livro. Winston não sabe é que não há mais esperança e que o partido domina tudo e só vai restar a ele ser mais um que deverá optar por ser dizimado ou se ajoelhar ao grande irmão.
Outro ponto interessante do livro é que há todo um neologismo criado por Orwell para dar vazão ao seu futuro imperfeito. Dentre os ajustes geográficos do mundo, sua divisão em 3 blocos (Eurásia, Lestásia e Oceânia, onde se passa a ação), Orwell ajustou também a linguagem e filosofia vigente. A linguagem passou a ser a “Novafala” que é uma desconstrução das palavras. O duplipensamento passa a ser a filosofia que vai justificar o poder do partido por conta de dominar a arte da contradição: 2 + 2 = 5, guerra é paz, liberdade é escravidão. Verdade é mentira. A personificação desse contraditório que permeia o livro é O’Brien, membro do Partido interno que “catequiza” Winston como seu agente rebelde. O problema é que O’Brien não é quem aparenta ser. Como confiar em alguém se o próprio mundo é contraditório. Winston descobre da pior maneira quem é O’Brien e qual seu verdadeiro interesse. Impossível sintetizar a essência do livro e as emoções causadas com sua leitura sem o próprio leitor vivenciar a experiência.
A estrutura da edição consta de um prefácio e no final um apêndice escrito por Orwell sobre os princípios da novafala. Consta ainda 3 posfácios interessantes, sendo mais atrativo o que foi escrito por Thomas Pynchon.
Livro pra ser lido, relido, pensado e repensado.