Lili Machado 02/10/2013Pena a leitura ser rápida, porque não dá para largar o livro até o final da estória.Uma manhã, na cidade histórica turística à beira-mar, de Palmyra (claramente identificável com Parati), Rio de Janeiro, o delegado Joaquim Dornelas, a caminho da delegacia, se depara com uma multidão observando um corpo de homem atolado na lama, sem sinais de violência – apenas um band-aid na dobra interna do braço esquerdo – e sem identificação.
O delegado Dornelas é um cara comum e humano - amante de uma cachacinha de vez em quando e viciado em novelas e em goró (mingau de farinha láctea – receita no livro), cuida de um cachorrinho e administra uma diarista. É um policial brasileiro das antigas – que se envolve completamente nos casos que investiga, em busca da verdade – doa a que doer.
E, no momento, ele sofre as dores do abandono da mulher, por conta de sua profissão, e da separação dos dois filhos adolescentes, que estão morando no Rio de Janeiro.
Logo surgem duas testemunhas improváveis (a prostituta gostosona Maria das Graças, irmã do morto; e o vereador escorregadio Nildo Borges) para dar uma luz ou atrapalhar as investigações (depende da visão do leitor), que forma uma teia de grandes dimensões, envolvendo tráfico de drogas, prostituição, o comércio local, a indústria do turismo, a comunidade de pescadores, interesses econômicos, políticos, e românticos – um verdadeiro vespeiro.
A experiência na profissão e sua intuição desenvolvida, auxiliada por uma memória fotográfica, permitem que Dornelas transforme uma simples investigação de homicídio (O Crime do Mangue, como a imprensa local vem denominando), numa empreitada psicológicamente complexa.
Paulo Levy trata alguns personagens e muitos problemas sociais, de forma irônica, mesmo por que o merecem. O humor está presente em todos os capítulos, apesar das sombrias mortes. Tem mortes? É claro que tem mortes – afinal é um livro policial – mas sem ser sangrento – tudo na medida certa.
As pistas para a solução do Crime do Mangue – com a ajuda da equipe de Dornelas, destacando-se o investigador Solano - levam a diferentes desfechos, ao virar de cada página. E o autor mostra de maneira tensa, porém leve, que aqui no Brasil, CSI ainda não funciona como na televisão.
Embora sua amizade e relacionamento profissional com a médica legista da região, Dulce Neves, renda um saboroso e apimentado romance. E quem me conhece sabe que adooooooooro médicas legistas (vide a Kay Scarpetta de patricia Cornwell, a Sara Linton de Karin Slaughter e a Maura Isles de Tess Gerritsen).
O final não decepciona nem deixa pontas soltas – me considero satisfeita.
Ao descrever as atividades do cultivo de ostras da Empresa Peixe Dourado, do Vereador Nildo Borges, Paulo Levy demonstra que realmente pesquisou, e entende do que escreve, tornando a estória convincente, sem ser maçante ou didática.
Comparando com os autores nacionais do gênero policial da atualidade, só rivaliza, em minha opinião, com o “72 horas para morrer”, de Ricardo Ragazzo. Dos outros que li, não me agradaram tanto.
Confesso: me apaixonei pelo delegado Joaquim Dornelas. Impossível não se apaixonar por ele, a cada página! Pena a leitura ser rápida, porque não dá para largar o livro até o final da estória.
Para um livro de estréia, é uma grata surpresa e imensa satisfação de leitura, para todos os gostos. Terminei em dois dias – ao fim dos quais, para não ter crise de abstinência, emendei no segundo: Morte na Flip (resenha em breve).
Meus trechos preferidos, em que o leitor pode visualizar, claramente, cenas de um futuro filme, com o ator Alexandre Nero como protagonista (minha sugestão):
• “Diversos microfones estavam enfileirados sobre a mesa, como serpentes famintas”. – Paulo Levy descrevendo a entrevista coletiva sobre o caso
• “O delegado desceu o carro e seguiu triturando o cascalho até a recepção.” – Paulo Levy descrevendo a chegada de Dornelas numa cena de investigação.
• “Verdade, verdade – disse Nildo, assumindo uma expressão repliana.” – Paulo Levy descrevendo a reação de um personagem.
• “Na sua obtusidade masculina, Dornelas não soube definir a extensão da ironia, tão curta é a distância entre o elogio e desprezo nos meandros da comunicação de uma mulher.” – Paulo Levy divertindo-se com a inabilidade de seu personagem, no trato feminino.
site:
http://houseofthrillers.wordpress.com/