Severina

Severina Rodrigo Rey Rosa




Resenhas - Severina


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jota 21/07/2018

Ana Severina Bruguera Blanco: desocupada e ladra
Aprendi lendo (ou sabia e havia esquecido): a moeda guatemalteca é o quetzal, que tal? E Miguel Ángel Asturias, ganhador do Nobel em 1967, é o escritor mais conhecido do país centro-americano, autor que nunca li. Então Severina deve ser a primeira história que leio de um autor da Guatemala, Rodrigo Rey Rosa, e cheguei até ela através do filme homônimo dirigido pelo brasileiro Felipe Hirsch, rodado no Uruguai. Tanto o livro quanto o filme começam citando um trecho de poema de William Carlos William, "What power has love but forgiveness?", algo que daria mais ou menos "Que poder tem o amor senão o de perdoar?", ou seja, amar também é perdoar, que é um dos temas presentes na narrativa.

Severina, mas também pode me chamar de Ana Severina, rouba livros nas livrarias e antiquários (ou sebos) da cidade, e faz isso com mais intensidade na livraria do narrador. Ele, sem nome, com pretensões de tornar-se escritor um dia; a livraria e sebo se chama La Entretenida. Aos poucos o rapaz acaba se apaixonando pela enigmática ladra, ele que levava uma vida tranquila mas um tanto aborrecida até que a moça pisasse ali um dia. O primeiro livro que ela lhe rouba é justamente um precioso exemplar em capa dura de Las Palmeras Salvajes, de William Faulkner em tradução de Jorge Luis Borges, sentiu o drama? Bem, uma garota que rouba um moderno clássico desses para ler má pessoa não deve ser, não é mesmo?

Passado algum tempo o jovem livreiro começa a ficar preocupado quando Severina deixa de aparecer na livraria para roubá-lo (isso mesmo, e ele até expõe alguns livros interessantes para cativá-la). E depois, mais ainda, quando descobre que ela mora numa pensão com um tal de Otto, senhor mais velho, que ora é seu pai, seu avô, seu amante ou marido: nunca ficamos sabendo exatamente o real parentesco entre ambos. O que sabemos é que Otto é o mentor de Severina e todos aqueles livros roubados em diversas livrarias não são para vender e ganhar dinheiro: são lidos por ela, fazem parte da educação de Severina para entender o significado de sua existência, isso não é louvável? Tanto que um dos livros roubados é Autobiografia Psíquica, do austríaco Hermann Broch, que não é, digamos, uma obra de fácil leitura.

E enquanto ocorrem desentendimentos, idas e vindas, encontros e desencontros entre o casal, seguem-se várias listas de livros roubados escritos por autores espanhóis, franceses, ingleses, americanos etc., mas Rey Rosa menciona apenas os títulos, nem sempre os autores, então ficamos sem saber muito bem como seria a eventual tradução desses títulos para o português. Se bem que As Mil e Uma Noites é uma dessas obras surrupiadas pela ladra e conhecida por todos. Com o tempo passando e a atração aumentando, Severina e o livreiro conversam sobre os aforismos de Kenko Yoshida, autor japonês do século XIV; o rapaz mesmo lê Arthur Schnitzler em certo trecho do livro e por aí vai.

No filme de Hirsch vemos algumas capas dos livros cultivados pela dupla (ou eles são citados), então além de Faulkner os personagens se interessam por Borges, Nabokov, Cervantes, Balzac, Quiroga, Chesterton e outros, muito escritor da pesada, não? Mas Severina não é apenas sobre a paixão por livros, autores, ficção etc.; é sobretudo uma história de amor, melhor dizendo, "um delírio amoroso", como a define o próprio Rey Rosa. É um livro curto, compacto, bem narrado e interessante quase a maior parte do tempo enquanto se mantém anedótico e menos sério. Severina foi publicado em 2011 nos países de língua espanhola e até o momento, que eu saiba, não tem tradução em português. Mas merecia ter. Tem o filme, mas o livro é sempre melhor, claro.

(Ah, nem no livro nem no filme se explica como Severina consegue roubar livros que têm tarjeta de segurança, escapar do alarme. Ela explica ao rapaz: "Isso é segredo.", ele insiste: "Bem, me conta." E Severina: "Se eu contar deixa de ser um segredo." Pois é...)

Lido entre 18 e 20.07.2018. Minha avaliação: 6,5/10.
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