Greg.Frees 03/05/2024
Atticus pode ter razão ao proferir que: ?só entenderá realmente uma pessoa quando conseguir ver as coisas do ponto de vista dessa pessoa?. Harper Lee nos coloca, magistralmente, sob o ponto de vista de uma menina: Jean-Louise Finch, ou como nos é apresentada: Scout.
Ora, não dá para se colocar sob o ponto de vista de todos os personagens, então é acertada a escolha de observar sob a perspectiva de uma criança. Apenas uma criança tem um olhar curioso, aguçado, sincero e afetuoso sobre os fatos. Lee, ao nos presentear com os olhos de Scout, nos devolve todas essas características já quase inacessíveis dentro da gente. Então, a história parte daí, somos levados à nossa infância novamente e estamos sedentos para conhecer o mundo.
Na primeira parte do livro, acompanhamos Scout, Jem e seu novo amigo Dill em suas brincadeiras e traquinagens. Aqui parece que estamos lendo literatura infantojuvenil - apesar de algumas críticas ao sistema educacional em voga. Tudo se desenvolve com a curiosidade infantil de avistar Boo Radley. Um recluso, que não sai de casa há mais de vinte anos. Um lunático, aos comentários dos cidadãos de Maycomb. A trama desenvolve-se como um mistério quase que mágico. ?Como será Boo? Ele nos matará? Disseram que ele come gatos. E essa árvore que dá frutos estranhos?? Há várias formas de se se comunicar, até mesmo através de um oco de uma árvore.
Saímos da infância e vamos ao mundo realístico dos adultos, ainda com os olhos de Scout, adentramos a segunda parte. Atticus, pai de Scout e Jem, é acionado para defender Thomas Robinson, homem negro, acusado de abusar de Mayella Ewell, uma mulher branca.
A partir deste acontecimento, a inocência de Scout e, principalmente, Jem vai se perdendo. Por que aquelas pessoas fariam isso? Eles são nossos vizinhos, nossos amigos, nossos familiares. Por que falam mal do nosso pai por defender um homem branco? Por que mesmo sabendo que ele, Tom Robinson, é inocente o condenam? Há tantos porquês nestas crianças e nós, leitores, sabemos respondê-las!
Maycomb é uma cidade interiorana como qualquer outra. Fictícia. Entretanto, seus costumes, suas tradições, suas personas são tão reais que podemos até os imaginar andando entre nós. Será que não poderia ser a nossa cidade?
O livro publicado em 1960 e ambientado nos anos 30, parece-me tão atual que as questões levantadas fizeram-me questionar se não estava lendo uma ficção escrita neste século, nesta última década, neste ano. A certa altura há um trecho, uma fala em que comunica que ?a palavra de um branco vale mais que a de um negro?. Ora, não vimos há poucos meses isto acontecer: um homem branco tentando esfaquear um jovem negro e os policias prendendo o jovem, enquanto tratavam o esfaqueador com parcimônia? Será que a realidade dos anos 30 está tão distante da realidade de 2024? Um século depois e o que mudou? Agora está velado, alguns me responderão. Hmmm, talvez nem isso, talvez nem isso?
Desculpe, leitor desta pequena resenha, não conseguirei me alongar, Atticus não está totalmente correto em sua afirmação. Nós não entendemos em completude o ponto de vista dos outros porque não sofremos as mazelas que os outros sentem. Falar que sim, é mentir e mentir é condenar. A si e, principalmente, aos outros.