Lisa 25/05/2023
Aos sonhos que um dia foram e a solidão que permanece
Ao som de autumn leaves acompanhamos essa história, contada ao autor pelos próprios filhos da personagem. Imaginem a cena, os telefones da National Geographic não paravam de tocar, cartas chegando com frequência. "Quem é ele? Onde posso obter um exemplar da revista sobre as pontes encobertas? Me fala sobre o Kincaid?" . O escritório da Nat Geo estava em total confusão, "Kincaid? Quem é esse? Pontes no Iowa??". Procura-se nos anais informações sobre esse fotógrafo e o mistério cresce.
The Bridges of Madison County é assim, um livro lento, leve. É um entardecer de um dia frio e cinza e ao mesmo tempo o meio da tarde de um dia ensolarado, aquele onde tudo combina, nem tão frio que não se possa sentar na varanda com um café, e nem tão quente que não se possa aproveitar o clima. Digamos então, que é uma brisa fria em um dia ensolarado de inverno, tudo bem? Muito embora a historia se inicie em um dia quente onde nenhum chá gelado foi suficiente para aplacar o abafamento desse lugar-nenhum.
Waller nos apresenta Robert Kincaid como "alone as it's possible to be", um homem livre no que tange seu ir e vir, um fotógrafo em seus cinquenta anos, sem família, sem elos, alguém exausto da solidão que o acompanha desde a infância. E assim, perdido em busca das pontes cobertas do estado é que termina na porta da familia Johnson.
Francesca Johnson é mãe, esposa, dona de casa exausta, ex-professora porque mãe e porque casada. Francesca é uma, mas também é toda mulher. Todas aquelas sugadas pela maternidade, pelo matrimônio, que em prol deles ser perderam em quem são. Francesca é acima de tudo UMA mulher, uma italiana que tinha sonhos, para quem a vida era bela, até casar-se e vim terminar em uma cidade onde nada acontece, onde não é vista, é olhada, mas certamente não enxergada, não pelos filhos, tampouco pelo marido. É uma mãe esgotada pelo seu cotidiano.
É nessa intersecção que eles se encontram, para muito além do valor moral, é uma história sobre os longos braços da solidão. São 4 dias de folga ao sua família viajar para um competição de novilhos, apenas quatro dias conhecendo um estranho. Somente quatro dias para viver não só um amor, mas para se sentirem vivos. Não é uma história tórrida de amor e traição, é na verdade, triste, cruel; realista e não romântica. É sobre crescer e descobrir que a vida que sonhou para si não existe e a que deseja não pode ter.
"The old dreams were good dreams; they didn't work out, but I'm glad I had them."
Francesca não vai embora com Kincaid, ela é uma boa mulher, com seu bom e desligado marido, sendo uma boa mãe e boa esposa em sua vida invisível até o fim de seus dias. Ao deixar sua história a ser lida após a sua morte, se torna viva mais uma vez, dando sua última lição como mãe. E é lindo vê o impacto em seus filhos e o aprendizado ao reavaliar suas próprias vidas e relações. Por fim, esse livro me lembra Vinicius "somos tão belos, mas trágicos."
Ah, sobre a Nat Geo, nunca existiu essa edição, nunca existiu um Kincaid. Essa história não é verídica, embora de tão real, poderia ter sido. Robert James Waller condensou nessas poucas páginas tanta profundidade e realidade, tanto respeito e sentimento que é impossível não se importar e ter empatia, até os dias de hoje há pessoas que se recusam a acreditar que não seja uma história real. Imagina criar algo assim?