Variações em vermelho

Variações em vermelho Rodolfo Walsh




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Inácio 06/03/2012

Variações em vermelho
(texto publicado originalmente no www.caotico.com.br)

Ele trabalhava revisando textos alheios, talvez a mais depreciada tarefa do universo dos livros, enfurnado numa editora entre provas da gráfica, manuscritos originais e modelos para capas. A rotina profissional não causava arrepios e o dinheiro era contado, mas em casa não faltavam fortes emoções. Recém-casado, sua primeira filha havia acabado de nascer.

Nada disso foi capaz de sufocar sua gana de escrever. E o lance de gênio de Rodolfo Walsh foi buscar inspiração no cotidiano de revisor para criar Daniel Hernández, funcionário de uma editora que ajudava a polícia a resolver crimes misteriosos usando como arma a linguagem. O personagem logo se tornou bastante popular entre os muitos leitores da tradicional literatura policial argentina.

Variações em vermelho, lançado em seu País no início dos anos 50 e há poucas semanas no Brasil pela Editora 34, inclui as novelas que lançaram o personagem, além de um curioso miniconto e um ensaio no qual o autor apresenta sua versão a respeito da história desse gênero. Tal qual os autores clássicos da literatura policial, o crime e a investigação serve menos como entretenimento e mais como pano de fundo para tratar das tensões , desejos e angústia humanas. É assim nas obras de Simenon e de Hammet, para ficar apenas com dois exemplos.

A primeira novela do volume, ‘A aventura das provas de prelo’, é também a melhor de todas, a mais intricada e surpreendente.
Neste texto, no qual Daniel Hernández faz sua primeira investigação, os mesmos fatos justificam três soluções diferentes e excludentes para o mesmo crime. O autor elabora argumentos convincentes para as três hipóteses, defendidas por três investigadores diferentes.

A grande sacada de Walsh é esclarecer o caso usando as provas de prelo (material gráfico já diagramado e ainda não impresso definitivamente) do livro que havia sido traduzido pela vítima.

Nas demais histórias, o argentino mantém a pegada com tramas originais e bem estruturadas.

Ele também inova ao interagir com o leitor, alertando no prefácio que as pistas e informações para solucionar os casos antecipadamente estão em determinadas páginas. Para Rodolfo Walsh, a literatura era mais importante que o clima de suspense. Ele não era “dono” do desfecho da trama e fazia questão de compartilhar seu poder de criador com os leitores.

Para Walsh, notas de rodapé, apêndices, prefácios, reprodução de documentos fictícios e mapas de locais imaginários rascunhados também eram literatura. Tudo isso faz parte das histórias. Dá a impressão que o homem ampliou o conceito de romance.

O problema é que há um recurso que se repete sempre: o investigador anuncia esclarecimento do caso e explica o passo-a-passo do seu raciocínio em uma reunião, com a presença de todos os envolvidos no crime, seja policiais, testemunhas e suspeitos. Uma vez dá para passar, mas a repetição torna o desenlace previsível e carece de verossimilhança.

A explicação para o uso abusivo desse recurso está na forma como as novelas foram publicadas originalmente. O leitor lia um texto hoje numa revista e só iria ler os próximos meses depois em outra edição. Depois que tudo está junto em um livro e é lido em sequência, a coisa não funciona.

Um leitor mais cético talvez questione a verossimilhança e credibilidade dos métodos do investigador amador, mas essas dúvidas são superadas com a constatação que Daniel Hernández é o alter-ego de Walsh, ele mesmo um revisor que havia acabado de deixar a função após ser promovido para tradutor. E foi usando a linguagem que, apenas três anos depois de escrever essas novelas, o autor em carne e osso desvendou 0 massacre de operários pelos militares a serviço da ditadura do almirante Aramburu. O resultado de suas investigações se transformou no lendário livro Operação Massacre.

No início dos anos 60, trabalhando voluntariamente com outros escritores para montar a imprensa oficial da Cuba de Fidel Castro, Walsh decodificou uma mensagem que permitiu descobrir que os Estados Unidos estavam preparando a invasão à Baía dos Porcos. Ou seja, as habilidades de Daniel Hernández foram tomadas emprestadas do próprio Walsh, apesar das iniciais do nome do personagem serem uma provável homenagem a Dashiel Hammet, o primeiro nome do detetive ser uma referência ao Daniel da Bíblia, tido por Walsh como o primeiro detetive da literatura, e Sherlock Holmes merecer várias citações desde o título do livro.
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