Carla.Parreira 07/02/2024
A Fera na Selva (Henry James). Narrado em terceira pessoa, a história é contada de forma simples, sem pretensões aparentes. No entanto, quando menos esperamos, nos vemos completamente envolvidos e também em busca da "fera" que assombra a existência de John. A trama se passa no início do século passado, em uma época em que passeios eram realizados em parques, almoços eram marcados com toda a pompa e circunstância, e as pessoas seguiam um ritmo ditado pelas horas, onde pensamentos, eventos e convenções sociais se sobrepunham em camadas até que uma rotina fosse estabelecida. Essa cadência era diferente da nossa atual, moldada por smartphones, redes sociais e publicações digitais. Logo no início somos apresentados a John Marcher e May Bartram. Eles se encontram casualmente em um almoço e são apresentados um ao outro. A partir desse encontro, acompanhamos de perto a vida de John e May. Estamos diante de uma história fascinante e terrível. Não se trata de um filme de terror, mas sim de um romance psicológico que revela a capacidade humana de perder o melhor de si e do outro. Pensei várias coisas sobre a "fera" que atormenta John, aquela que ele sente sempre à espreita, pronta para devorá-lo, e acho que cada um de nós também tem a sua própria fera. Assim como John, podemos estar tão envolvidos por ela, tão obcecados pela certeza de sua existência, que não somos capazes de enxergar ao nosso redor e nos salvar de nós mesmos. Desde criança, John sabe que algo está prestes a acontecer. Solitário em sua angústia, ele guarda seu segredo, evitando preocupar os outros. No entanto, May sempre soube. De forma gentil e compreensiva, ela mantém esse segredo, compartilha sua experiência e ajuda John a lidar com a eterna expectativa de que algo extraordinário irá acontecer. Os anos passam, a idade avança e eles nunca se casam, pois suas vidas estão tão entrelaçadas que não há espaço nem interesse para que outros façam parte dessa amizade. A fera continua à espreita. Com o passar do tempo, May falece e John, solitário, viaja pelo mundo. No entanto, ele encontra no túmulo de May o único lugar onde ainda se sente seguro e acolhido. O intrigante é tentar desvendar: o que será esse acontecimento? Ele não sabe. Quando vai ocorrer? Ele não sabe. É positivo ou negativo? Ele não sabe. O que lhe resta fazer? Nada, apenas esperar. E assim ele faz, apenas espera, na companhia dedicada de May Bartram. De início, ele reluta em compartilhar com ela o que considera ser seu terrível segredo, pois acredita que um homem de valor não deve permitir que uma mulher o acompanhe em uma caçada de tigres. Essa é a imagem que ele acabou formando de sua própria vida. A imobilidade desse indivíduo de caráter peculiar, embora não extraordinário, que espera incessantemente por um destino fabuloso, é uma narrativa sobre egoísmo, orgulho irrefletido e, acima de tudo, cegueira. Não uma cegueira literal, como a de Homero ou Borges, mas uma cegueira emocional. O que faltou a John Marcher foi a capacidade de reconhecer o extraordinário no cotidiano, no aparentemente banal. E Henry James nos presenteia com um final dramático onde tudo se revela bem no finalzinho da história.