Ana Aymoré 22/02/20192018 foi, para mim, um ano de muitas releituras. E muitas das leituras que aproveitei imensamente foram, de fato, retornos a livros lidos em outro momento da minha vida. Acho que é um exercício altamente recomendável, pois é (com redundância e tudo) verdade verdadeira que os livros não só assumem diferentes significados e despertam diferentes emoções em pessoas diferentes, como eles podem fazer ambas as coisas com a mesma pessoa, em fases diversas da vida. Voltando pela terceira ou quarta vez à metáfora genial de Umberto Eco, livros não são como estradas, são como bosques, que podem ser percorridos de várias maneiras distintas.
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E entre os autores a quem mais gosto de voltar na vida, Henry James é um destaque. A prosa elegante, a ironia fina, a atmosfera sempre algo inquietante que são os traços de maestria do escritor inglês são, para mim, uma fonte inesgotável de interesse. Talvez um dos livros que eu mais tenha relido na vida (já comentei em outra parte) seja A volta do parafuso, e a cada vez descubro mais um lance no jogo de espelhos que é essa novela do James.
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A fera na selva, no entanto, não tinha, ainda, merecido tanta atenção. Mas quando li recentemente O deserto dos tártaros, tive que retornar a ela, pois lembrava, vagamente, que também tratava, de modo geral, de uma vida desperdiçada na espera de um acontecimento espantoso: o bote da "fera na selva".
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E eis que James, mais uma vez, me fisga direto no coração, de um modo muito mais intenso do que na primeira leitura: A fera na selva é, afinal, ainda mais do que a vida desperdiçada na espera narcísica de algo grandioso, como no romance de Dino Buzzati, mas do desperdício do bem maior da existência - a capacidade de amar. John Marcher é, em última análise, uma das mais bem acabadas representações do egoísmo individualista (tão burguês! tão moderno! tão masculino!), que o radar calibradíssimo de James capturou em sua essência.
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O desfecho da novela, um intenso e amargurado fluxo de consciência num cenário mórbido, é uma verdadeira obra-prima.